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sábado, 16 de novembro de 2024

CONCERTO: Wadada’s Fire-Love Expanse



CONCERTO: Wadada’s Fire-Love Expanse
Wadada Leo Smith
Lamar Smith, Ashley Walters, John Edwards, Mark Sanders
Guimarães Jazz 2024
Centro Cultural Vila Flor – Grande Auditório Francisca Abreu
14 Nov 2024 | qui | 21:30


A abrir o último fim de semana do Guimarães Jazz 2024, o palco do Grande Auditório Francisca Abreu do Centro Cultural Vila Flor acolheu aquele que, pela dimensão colossal do seu percurso no jazz e pela sua inegável influência na música contemporânea, não poderia deixar de ser considerado a grande figura de relevo histórico do programa desta 33ª edição do festival. Falo de Wadada Leo Smith cuja sonoridade única do seu trompete, um som simultaneamente expressivo e depurado, e a versatilidade do seu ímpeto criativo, cristalizado numa música que flui harmoniosamente com a passagem do tempo, são características que contribuem decisivamente para o seu estatuto icónico. Um olhar mais demorado sobre o seu trajecto artístico revela-nos também, e sobretudo, um criador multi-facetado (com incursões na pintura e na escrita), atento às transformações estéticas à sua volta e permanentemente em busca de um som capaz de traduzir o “novo”.

Acompanhado pelo guitarrista (e seu neto) Lamar Smith, pela violoncelista Ashley Walters e por uma secção rítmica de contrabaixo e bateria, assegurada por dois experientes músicos britânicos, John Edwards e Mark Sanders, respectivamente, Wadada Leo Smith fez do tempo do concerto um inspirado exercício de criatividade, improvisação e liberdade. Baseando a sua performance na combinação de dois diálogos distintos - de um lado Sanders e Edwards e, do outro, Walters e Wadada Leo Smith -, o quinteto afastou-se das práticas conducentes à harmonia e ao ritmo, levando o público numa viagem ao longo do Chaco Canyon, uma paisagem desértica do noroeste do Novo México. É no vento que percorre as ruínas de uma das mais importantes áreas culturais e históricas pré-colombianas dos Estados Unidos, no intenso cheiro a terra molhada após uma rara chuvada ou na abóbada estrelada das noites no Canyon que se situa uma música feita de intriga, desafio e inspiração.

John Edwards e Mark Sanders fizeram questão de mostrar ao que vinham, abrindo com estrondo o concerto. Como seria de esperar, a plateia reagiu com expectativa em relação ao que a esperava, enquanto acompanhava a abordagem esquizofrénica do contrabaixo e a exploração caótica dos limites da bateria. Quando o violoncelo e o trompete se deram a ouvir numa deriva essencialmente clássica, o choque não poderia ser maior. Abarcar duas componentes distintas numa mesma composição e entregar-se à fruição de uma música de tons ocres e cheiros acres foi tarefa que uma parte do público não mostrou grande disponibilidade para aceitar. Levados pelo efeito contrapontístico de uma guitarra a fazer lembrar Ry Cooder e o inesquecível “Paris, Texas”, aqueles que se deixaram arrastar neste turbilhão de vento e poeira, mergulhando o olhar na miragem de um horizonte infinito, terão amado o concerto. Eu amei!

sábado, 9 de novembro de 2024

CONCERTO: Sara Serpa, André Matos, Craig Taborn e Jeff Ballard



CONCERTO: Sara Serpa, André Matos, Craig Taborn e Jeff Ballard 
Guimarães Jazz 2024
Centro Cultural Vila Flor
08 Nov 2024 | sex | 21:30


Desconsolador. Ainda a tentar apagar da memória o concerto que abriu o primeiro fim de semana do Guimarães Jazz, escrevo estas breves palavras sob o lema do desconsolo. A milhas do nível qualitativo a que o Festival nos vem habituando nas mais de três décadas que leva de vida, aquilo que sobressaiu na noite de ontem, nos sete ou oito temas interpretados, foi a debilidade das vocalizações e as composições desinspiradas, semelhantes, para pior, a música para embalar bebés. Talvez até fosse essa a intenção da cantora, a julgar pela esmagadora maioria do público que, em algum momento do concerto, com maior ou menor profundidade, “passou pelas brasas”. Os aplausos foram sendo dispensados a conta gotas, como que arrancados a ferros, e a ovação final, frouxa e breve, evidenciou o sentimento generalizado de quem quer dizer que “por hoje chega”, não fossem os músicos lembrar-se de voltarem ao palco para um indesejado e indesejável encore.

Havia Jeff Ballard e havia Craig Taborn. Seriam estes dois nomes suficientes para colocar em alta as expectativas e justificar uma deslocação (no meu caso) de duzentos quilómetros? Certamente que sim, não apenas pelo seu historial de muitas décadas de carreira e pelos territórios musicais pelos quais se passeiam com maestria, mas também pelo percurso afirmativo de consolidação artística ao lado de grandes nomes da história recente do Jazz, de Chris Lightcap a Vijay Iyer, de Pat Metheny a Chick Corea. Embora breves, os apontamentos a solo mostraram que não estava enganado (cabe aqui uma referência a André Matos, também ele com algumas intervenções solísticas de qualidade). O problema esteve mesmo em Sara Serpa e naquela sequência repetitiva e monocórdica de ti-ti-tis e pa-pa-pas, omnipresente e castradora, que fez do concerto um tempo de monotonia e fastídio. Na única vez que fugiu a este registo, interpretando em inglês o tema “A Mother’s Heart”, foi pior a emenda que o soneto. Resta-nos a consoladora certeza de que tudo o que o Guimarães Jazz nos trouxer daqui para a frente só pode ser melhor.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

CONCERTO: Vanguard Jazz Orchestra - Thad Jones 100



CONCERTO: Vanguard Jazz Orchestra - Thad Jones 100
Guimarães Jazz 2023
Centro Cultural Vila Flor
09 Nov 2023 | qui | 21:30


Está em marcha a trigésima segunda edição do Guimarães Jazz. Para o concerto de abertura, a organização do Festival convidou para subir ao palco do Centro Cultural Vila Flor uma das mais icónicas orquestras de jazz norte-americanas, a Vanguard Jazz Orchestra. Fundada no já distante ano de 1966 pelo trompetista e compositor Thad Jones e pelo baterista Mel Lewis, responsável pela direção musical, a orquestra toma a sua designação actual do mítico clube de jazz de Nova Iorque - Village Vanguard -, onde se estreou com enorme impacto na cena musical da época e onde continua a actuar, abrilhantando os serões de segunda-feira. Foi a segunda vez que esta orquestra visitou a cidade-berço, depois de aqui ter estado na edição de 1999, assegurando então o concerto de encerramento. A título de curiosidade, refira-se que a comparação entre as duas formações permite constatar que há nomes que se repetem, dos saxofonistas Ralph Lalama, Billy Drewes e Dick Oatts - o seu director musical -, ao trompetista Scott Wendholt, ao trombonista Douglas Purviance e ao baterista John Riley. O compositor residente da orquestra é o conceituado Jim McNeely, que este ano não marcou presença em Guimarães, mas que aqui tivemos o prazer de apreciar há dois anos atrás, à frente da Frankfurt Radio Big Band, na altura com a saxofonista Melissa Aldana.

Celebrando o centenário do nascimento de Thad Jones, a Vanguard Jazz Orchestra teve para oferecer um conjunto de standards do fundador e compositor residente durante a primeira década de atividade deste ensemble. Assim, ao longo de uma hora e meia de concerto, foi possível cruzar a inspirada veia artística deste membro de uma das famílias mais distintas do jazz (de lembrar que dois dos seus irmãos são os lendários Hank e Elvin Jones) com a classe e virtuosismo de uma orquestra que respira jazz por todos os poros. “Mean What You Say” abriu as hostilidades e o piano de Adam Birnbaum deu a primeira nota de mestria e savoir-faire. Mas não esteve só e os solos de grande qualidade do saxofonista Ralph Lalama e do trompetista Scott Wendholt foram apenas os primeiros de uma série que se prolongou no tempo e galvanizou o público, recebendo dele, a cada momento, os maiores incentivos e aplausos. “My Centennial” foi o senhor que se seguiu e o seu ritmo festivo, com um leve toque carnavalesco, incendiou a sala. Aqui brilharam o saxofone barítono de Frank Basile e a bateria de John Riley.

Se alguém entre o público não se havia rendido ainda à magia da orquestra, as dúvidas dissiparam-se com a sensibilidade e dolência de “Kids Are Pretty People”, um dos temas maiores do legado de Jones e que constituiu um dos momentos inesquecíveis da noite, o trombone de Dion Tucker a brilhar ao mais alto nível. Pleno de vivacidade, “Blues in a Minute” começou por confirmar a excelência do diálogo a três da secção rítmica, com destaque para o contrabaixo de Mike Karn e para o piano de Adam Birnbaum, a que se seguiram solos inspirados de Brandon Lee (trompete), Rob Edwards (trombone) e do incontornável saxofone tenor de Ralph Lalama. Os dois temas seguintes foram arranjos de Jim McNeely, o primeiro dos quais, “In The Wee Small Hours of The Morning” nos trouxe o veteraníssimo Dick Oatts e o seu saxofone alto num solo de sonho. Composto por McNeely, “Extra Credit” foi outro enorme momento, aqui com o combo de saxofones a elevar-se num todo, dele se destacando Chris Lewis. Para tema final do alinhamento, a escolha recaiu sobre “Fingers”, extraordinária obra-prima do mestre e que, nos seus quase dezoito minutos de duração, ofereceu a possibilidade a praticamente todos os membros da orquestra de usufruirem de um tempo a solo e de mostrarem mais-valias que passaram por momentos únicos de inspirada improvisação. Muito reclamado, o “encore” trouxe com ele outro dos temas maiores de Thad Jones e foi com “Don’t Get Sassy” que a Vanguard Jazz Orchestra se despediu do público numa noite de boa memória. O final perfeito a colocar muito alta a fasquia desta edição do Guimarães Jazz.

[Foto: Município de Guimarães | https://www.facebook.com/Municipio.Guimaraes]

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

CONCERTO: Linda May Han Ho Quartet



CONCERTO: Linda May Han Ho Quartet
Guimarães Jazz 2022
Centro Cultural Vila Flor
11 Nov 2022 | sex | 21:30


O segundo dia do Guimarães Jazz ficou marcado pelo regresso ao palco do Centro Cultural Vila Flor da contrabaixista malaia Linda May Han Ho, depois de aqui ter estado no ano passado ao lado de Vijay Iyer e Tyshawn Sorey. Com ela vieram o saxofonista Greg Ward, o baterista Jeff Ballard e o guitarrista Matthew Stevens, completando o agrupamento que, na programação do Festival, substituiu o Archie Shepp 4tet, impedido de se deslocar a Guimarães por motivo de doença do seu líder. Aquilo que poderá ter começado por ser uma enorme desilusão para os muitos espectadores que tinham a ambição de ver ou rever um dos maiores ícones vivos do jazz, acabou por tornar-se numa muito grata surpresa, de tal forma a música que se fez ouvir fluiu intensa e vibrantemente ao longo de quase uma hora e meia. Com um pé nos tumultuosos ambientes jazzísticos de Nova Iorque e o outro na tranquilidade que emana dos grandes espaços abertos, os elementos como fonte musical por excelência, Linda May Han Ho ofereceu-nos um vislumbre do seu mundo criativo, extenso e fascinante, através de uma sucessão de temas onde energia e virtuosismo se passearam de mãos dadas.

Não preciso de recuar muito no tempo para reviver os momentos de um concerto em Espinho e a viva impressão que Linda May Han Ho me tinha deixado quando a escutei ao lado de Iyer e Sorey. Entre os dois gigantes, destacava-se a sua figura esguia pela relação que estabelecia com o contrabaixo, escalado com prazer, deleite e uma técnica primorosa. Em Guimarães, a história repete-se mal os primeiros acordes saltam do instrumento.  É em torno dele que Linda May Han Ho se move a um ritmo frenético, trazendo à ideia a figura incontornável de Esperanza Spalding, em particular depois de perceber, já numa fase adiantada do concerto, que Linda May Han Ho não teme correr o risco de emprestar a sua voz ainda que a um só tema, preenchendo-o de graça e lirismo. É essa mesma graça e esse mesmo lirismo que vamos encontrar nos fabulosos “Lucid Lullaby” ou “Speech Impediment”, do seu álbum “Walk Against Wind”, e noutros dois temas não menos extraordinários, dos quais não cheguei a reter o nome. É através deles que nos focamos na essência de um concerto que vai primando pela novidade, apostado na criação de paisagens sonoras entre o árido e o sobrepovoado e explorando o efeito surpresa que daí advém.

Do saxofone de Ward rompem melodias que são preces sussurradas, espécie de contraponto ao descaramento exibicionista do contrabaixo. Sob o olhar atento da bateria e da guitarra, mais daquela do que desta, é deslumbrante o diálogo encetado, sobretudo pela forma como Linda May Han Ho e o seu instrumento se impõem, fazendo questão de seguir firmemente na dianteira e apontar caminhos. De provisória, a conversa passa a definitiva nesse extraordinário momento que é “Other Side”, o tema que encerrou o concerto e que, tal como “Circles”, tocado anteriormente, fará parte de “The Glass Hours”, um novo trabalho discográfico que se anuncia para o início do próximo ano. Veremos o que vem por aí, mas pela amostra só pode ser muito bom. E, melhor ainda, sabendo que contará com a participação de Sara Serpa, cantora e compositora portuguesa radicada em Nova Iorque, onde tem vindo a desenvolver um trabalho de grande qualidade e que lhe tem valido os mais rasgados elogios por parte da crítica e do público. Fico na expectativa de rever Linda May Han Ho muito em breve. De preferência com Sara Serpa ao seu lado.

[Foto: Centro Cultural Vila Flor | https://www.facebook.com/CCVF.Guimaraes]

sábado, 19 de novembro de 2022

CONCERTO: Diane Reeves



CONCERTO: Diane Reeves
Guimarães Jazz 2022
Centro Cultural Vila Flor
10 Nov 2022 | qui | 21:30


Presença assídua nos palcos portugueses, Diane Reeves regressou ao nosso país com a responsabilidade de abrir a 31ª edição do Festival Internacional de Jazz de Guimarães. Pessoalmente, foi a oportunidade de voltar a escutá-la, cinco anos após esse momento magnífico na Casa da Música. Tal como acontecera no Porto, a cantora interpretou alguns dos maiores standards do jazz, de “Skylark”, da dupla Johnny Mercer e Hoagy Carmichael, a “(In My) Solitude”, de Duke Ellington, passando por “(Our) Love is Here to Stay”, de George e Ira Gershwin. Também aqui, a apresentação inicial dos extraordinários músicos que a acompanharam em palco - Edward Simon no piano, Romero Lubambo, na guitarra, Reuben Rogers no contrabaixo e Terreon Gully na bateria - foi feita toda ela em música e ritmo, numa afirmação daquilo que Diane Reeves entende como a melhor forma de comunicar com o seu público. O tom geral deste concerto, porém, teve muito a ver com ritmos próximos do samba, alicerçados na guitarra de Lubambo - “my brother from another mother”, nas palavras de Reeves -, na admiração confessa por nomes como os de Gilberto Gil e Milton Nascimento e naquilo que pode ser visto como uma homenagem a Gal Costa, falecida no dia anterior.

Depois de um tema instrumental, em jeito de “volta de aquecimento”, Diane Reeves irrompeu em palco para oferecer ao público que esgotou o CCVF a magia de temas tão intensos de significado como “Dreams”, “Minuano”, “I Remember” e “I'm All Smilles”, convocando memórias de paragens que tanto nos dizem e trazendo-nos a presença e a voz de Kurt Elling e Pat Metheny, Barbra Streisand e Rosa Passos. Veio depois o já referido “Skylark” e a plateia viu-se definitivamente rendida às extraordinárias qualidades e capacidades vocais da cantora, mais intensas e refinadas à medida que o tempo passa. Voz incontestada do jazz, como o atestam os cinco Grammys recebidos ao longo da sua carreira, Diane Reeves prosseguiu com um conjunto de temas onde ficou patente a cumplicidade com cada um dos seus músicos, em particular com Romero Lubambo, com quem a cantora encetou um diálogo que se prolongou no tempo e ficou marcado pela emoção que se desprende da doçura de uma voz combinada com a mestria e virtuosismo de um guitarrista de excelência.

Com a presença e o à-vontade de quem se sente realmente em casa, Dianne Reeves foi um verdadeiro espectáculo dentro do espectáculo. A força dos seus 66 anos permite-lhe falar com autoridade da actualidade que assola o planeta e invocar a tolerância, a bondade e a generosidade como valores a cultivar. Cativado, o público reagiu com emoção às palavras da cantora e com a mesma emoção fez questão de a acompanhar nas suas improvisações melódicas a uma segunda apresentação da banda, à qual os instrumentistas responderam com solos vibrantes que fizeram levantar a plateia. McCoy Tyner veio ao palco já no “encore”, só Diane Reeves e Romero Lubambo em palco, “You Taught My Heart to Sing” cantado com a emoção que só uma grande voz e um grande coração são capazes. Não será esta a única razão, mas a interpretação deste tema, a par de tudo o mais que se passou na noite do Vila Flor, bastariam para elevar Diane Reeves ao patamar das divas do jazz, ao lado de Etta James, Sarah Vaughan, Nina Simone, Natalie Cole, Aretha Franklin ou Ella Fitzgerald. Inesquecível!

[Foto: Centro Cultural Vila Flor | https://www.facebook.com/CCVF.Guimaraes]

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

CONCERTO: Frankfurt Radio Big Band & Melissa Aldana



CONCERTO: Frankfurt Radio Big Band & Melissa Aldana
Guimarães Jazz 2021
Centro Cultural Vila Flor – Grande Auditório
20 Nov 2021 | sab | 21:30 


O Guimarães Jazz cumpriu a tradição de encerrar o seu programa com a apresentação de uma renomada e competente orquestra do jazz europeu, cabendo essa responsabilidade, na edição do 30º aniversário, à Frankfurt Radio Big Band. Dirigida por Jim McNeely, prestigiado e experiente arranjador e diretor musical norte-americano, a formação germânica regressou ao festival oito anos depois de uma primeira presença com o projeto de interpretação das composições de John Abercrombie, sendo desta vez acompanhada pela jovem saxofonista chilena Melissa Aldana, na condição de solista. Foi um final de festa sensaborão, não pela competência da banda - a qual integrou o trompetista português Luís Miguel Macedo - mas pelo repertório escolhido, recaindo o alinhamento sobre o mais recente trabalho de Aldana, “Visions”, que viria a revelar-se de uma monotonia absolutamente desconsoladora.

A Frankfurt Radio Big Band construiu a sua reputação no jazz europeu em resultado do ecletismo da sua abordagem às múltiplas facetas deste género musical e pontuais incursões aos universos da pop e da world music. Atualmente considerada uma instituição da cultura alemã, esta orquestra promoveu, no decurso da sua atividade, programas ambiciosos e expansivos de colaboração não apenas com alguns dos nomes mais mediáticos do jazz contemporâneo, entre eles John Scofield, Django Bates ou Billy Cobham, entre outros, mas também com músicos e artistas provenientes dos mais diversos contextos criativos. À frente da orquestra esteve Jim McNeely, quatro décadas de carreira no jazz ao mais alto nível e unanimemente reconhecido como um dos mais distintos representantes da tradição jazzística orquestral, sendo disso prova as inúmeras nomeações para os Grammys que lhe foram concedidas ao longo do tempo. Por aqui fomos nós muito bem, os solistas da orquestra a pontuarem os vários temas, dando-lhes o vigor que pareceu escassear em Melissa Aldana.

Quanto a Melissa Aldana, são cinco os trabalhos discográficos em nome próprio editados até à data e que lhe vêm valendo notoriedade e reconhecimento. Introduzida no meio jazzístico norte-americano pelo pianista panamiano Danilo Pérez, Aldana estudou no Berklee College of Music de Boston, onde teve como professores grandes músicos como Joe Lovano, e está atualmente sedeada em Nova Iorque. Editou o seu primeiro álbum, “Free Fall”, em 2010 pela editora do saxofonista Greg Osby e, em 2013, tornou-se a primeira mulher sul-americana a ser galardoada com o reputado Thelonious Monk Music Award na competição de saxofone. Em paralelo à carreira como líder de formação e como solista, Melissa Aldana colabora regularmente com outros músicos de jazz como Peter Bernstein ou Christian McBride, entre outros. Em Guimarães não correspondeu às expectativas, mas qualquer artista tem direito a uma noite menos boa.


segunda-feira, 29 de novembro de 2021

CONCERTO: Ryan Cohan Quintet



CONCERTO: Ryan Cohan Quintet
Guimarães Jazz 2021
Centro Cultural Vila Flor – Pequeno Auditório
20 Nov 2021 | sab | 18:30 


Apesar de, como é amplamente sabido, o jazz ser primordialmente uma música negra com raízes nas expressões musicais africanas e seus equivalentes transplantados nos Estados Unidos da América, com o passar do tempo os princípios orgânicos desta música foram sendo incorporados na tradição clássica e intelectualizados de acordo com a matriz musical ocidental. Assim sendo, à medida que o jazz foi amadurecendo a sua identidade e expandindo o seu raio de influência, assimilando e reinterpretando outros géneros musicais, foram naturalmente surgindo músicos como Gil Evans, em colaboração com Miles Davis, ou, mais recentemente, Uri Caine (e estes são apenas dois exemplos entre muitos) que começaram a reivindicar a existência de uma linha de continuidade entre a música clássica europeia e o jazz, harmonizando assim numa mesma cosmologia musical compositores aparentemente tão distantes entre si como Schoenberg e Charlie Parker, Duke Ellington e Bach.

O pianista e compositor norte-americano Ryan Cohan é, duas décadas passadas desde que iniciou a sua carreira musical, um digno representante desta tendência, com um percurso onde se abrigam, não apenas a música clássica, mas também a música tradicional de geografias e culturas não-ocidentais. Bolseiro da Fundação Guggenheim em composição musical, Cohan editou até à data seis trabalhos discográficos em nome próprio, o último dos quais, “Originations”, reúne composições escritas para sexteto de jazz e quarteto de cordas que sintetizam elementos da música tradicional árabe e judaica, da música clássica e da improvisação. Nesta edição do Guimarães Jazz foi precisamente este álbum que constituiu a base do alinhamento do concerto de um quinteto onde, além do piano de Cohan, pontificaram o trompete de Tito Carrillo, os saxofones de Scott Burns, o contrabaixo de Lorin Cohen e a bateria de George Fludas.

Um dos aspectos marcantes deste concerto que praticamente encheu o Pequeno Auditório do Centro Cultural Vila Flor é a tendência de Cohan para o formato longo das suas composições e para a relação íntima e vigorosa com o piano, convidando a uma escuta imersiva, recheada de momentos de deleite e júbilo. Nalguns temas são perceptíveis o intimismo e espiritualidade que remetem para a Jordânia, Israel e Palestina e para as raízes históricas e culturais do próprio Cohan, enquanto noutros predominam os ambientes urbanos da sua Chicago natal, um leve toque de improviso a acrescentar-lhes graça e leveza. Fortes e vivos, os retratos musicais levam o público numa viagem fascinante e inspiradora por baladas que são carícias ou por composições vibrantes, numa verdadeira festa para os sentidos. Contagiantemente optimista, apontando caminhos de luz e fruição do que de bom a vida tem para oferecer, assim é a música de Ryan Cohan. Foi, pelo menos, assim que a senti em Guimarães, naquele que foi o melhor dos três concertos a que me foi dado assistir na 30ª edição do certame.  

[Texto construído com base no programa do Guimarães Jazz 2021, em https://www.guimaraesjazz.pt/detail-eventos/20211120-ryan-cohan-quintet/. Foto: Paulo Pacheco | https://www.facebook.com/CCVF.Guimaraes/photos/]

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

EXPOSIÇÃO: "30 Anos Guimarães Jazz"


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EXPOSIÇÃO: “30 Anos Guimarães Jazz”
Guimarães Jazz 2021
Centro Cultural Vila Flor
11 Nov 2021 > 05 Mar 2022


Visitar a exposição “30 Anos Guimarães Jazz” é viajar pela história daquele que será, no presente, o melhor festival de jazz do nosso País. Uma história valiosa, recheada de momentos inesquecíveis, aqui mostrada com enlevo através dos cartazes de cada uma das edições, de mais de uma centena de fotografias que contam histórias e avivam memórias, de objectos directa ou indirectamente ligados à organização do próprio certame, dos programas às mensagens no Livro de Honra do festival, das listas com o alinhamento de um concerto às identificações do Director do Festival, o incontornável Ivo Martins. Nas paredes de uma vasta sala ou em expositores no seu centro, evoca-se cada uma das edições do Festival, acompanhando-as de uma descrição breve, mediante as quais se percebe o contínuo evolutivo que faz do Festival de Jazz de Guimarães aquilo que é hoje. Entre passado e futuro, esta exposição constitui-se num documento do tempo, ao ritmo do jazz.

Tudo começa em 1992, numa altura em que o jazz tinha uma expressão residual, assente apenas no mítico “Cascais Jazz” e no “Jazz em Agosto”, este último promovido desde 1984 pela Fundação Calouste Gulbenkian. Foi, pois, com uma boa dose de loucura e muito entusiasmo que nesse ano surgiu o Guimarães Jazz, um evento pioneiro não apenas pela sua contribuição para o reconhecimento do jazz enquanto arte musical, mas também pelo seu papel na descentralização da cultura em Portugal. Com concertos distribuídos ao longo de sete dias, Guimarães recebeu nesse ano algumas das mais sonantes figuras deste género no nosso País, de Carlos Martins a Pedro Moreira ou de João Paulo Esteves da Silva a Carlos Bica, passando por José Peixoto, Maria João, Mário Laginha ou Bernardo Sassetti.

Alcançado o grande objectivo de criar uma comunidade de músicos e espectadores em torno do festival, a segunda edição do Guimarães Jazz representou a afirmação deste modelo através da sua internacionalização. Art Farmer, Conrad Herwig, Mal Waldron ou Hermeto Pascoal passaram por Guimarães, trazendo com eles uma manifesta propensão para o ecletismo, o hibridismo e a heterodoxia musicais. Consagrada ao tema “As Mulheres no Jazz”, a edição de 1994 trouxe projectos como os de Sophia Domancich, Unpredictable Nature ou Cindy Blackman, às quais se juntaram as portuguesas Maria Anadon, Ana Paula Oliveira e Fátima Serro com o Trio de Carlos Azevedo. Podemos ir por aí fora, de evocação em evocação, que não cessaremos de nos congratular com programas fantásticos que deram aos amantes do jazz a possibilidade de escutar Betty Carter, Charlie Haden, Bill Frisell, McCoy Tyner, Herbie Hancock, Charles Lloyd, Wayne Shorter ou o Art Ensemble de Chicago, entre muitos outros. É isto que o visitante vai poder (re)viver.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

CONCERTO: Samuel Blaser & Marc Ducret



CONCERTO: Samuel Blaser & Marc Ducret
Guimarães Jazz 2021
Centro Cultural Vila Flor – Pequeno Auditório
20 Nov 2021 | sab | 16:00


A crescente atenção que, em edições mais recentes, o Guimarães Jazz tem dedicado ao auditório secundário, onde concertos de menor perfil mediático têm lugar, prende-se com razões que estão intimamente ligadas aos mecanismos atuais de funcionamento do circuito da música em geral, e do jazz em particular. Se por um lado continuam a ser dominantes os princípios de autorregulação do mercado musical, extraídos a partir de considerações, cada vez mais obsoletas e desligadas da realidade, sobre as supostas preferências do público, é igualmente evidente que hoje as fronteiras entre aquilo que se designa por arte mainstream e por, do lado oposto, arte “independente”, parecem também cada vez mais esbatidas e em processo de esvaziamento de sentido.

É nesta ideia de programação que o duo formado por Samuel Blaser e Marc Ducret encaixa perfeitamente. Nascido em 1981, o trombonista e compositor suíço Samuel Blaser corporiza o espírito terceiro-milenar da música europeia, caracterizado essencialmente pela incorporação de um vasto espectro de influências no ato criativo e pela fluidez de discursos potenciada pelo novo esperanto sonoro gerado pela globalização. Enquanto instrumentista, dedica-se à exploração dos limites do seu instrumento a solo, operando o som a partir das diferentes qualidades arquiteturais e acústicas do contexto onde grava ou atua. Por seu lado, o guitarrista Marc Ducret é atualmente considerado, em virtude de um percurso de notável integridade ética e ousadia estética, um dos nomes mais influentes nos domínios da música improvisada e experimental contemporânea.

Perante um Auditório despido de público, ao duo coube abrir a programação do último dia do Guimarães Jazz 2021. Em pouco mais de uma hora de concerto, ficou patente o seu grande virtuosismo e cultura musical, bem como a sua “atração pelo risco e pela disrupção das fórmulas impostas pela indústria musical, qualidades criativas que são exploradas com intensidade numa performance sonora e física expansiva em que a irregularidade da contra-narrativa é sublimada em sacrifício da previsibilidade das convenções”. Dizer que a sua música é agradável para os ouvidos é fugir à verdade, mas dela resulta um conjunto de experiências sensoriais que tocam cordas indefinidas lá bem no íntimo, pedindo atenção e trabalho na sua descodificação. Para os indefectíveis do Roquefort (ou do Sushi) que começaram por odiá-lo, é tempo de lembrar que a evolução do(s) gosto(s) passa por fenómenos deste género.

[Texto construído com base no programa do Guimarães Jazz 2021, em https://www.guimaraesjazz.pt/detail-eventos/20211120-samuel-blaser-andamp-marc-ducret/. Foto: Paulo Pacheco | https://www.facebook.com/CCVF.Guimaraes/photos/]

domingo, 17 de novembro de 2019

CONCERTO: Joe Lovano Tapestry Trio com Marilyn Crispell e Carmen Castaldi



CONCERTO: Joe Lovano Tapestry Trio com Marilyn Crispell e Carmen Castaldi
Guimarães Jazz 2019
Centro Cultural Vila Flor, Grande Auditório
13 Nov 2019 | qua | 21:30


Depois de Charles Lloyd ter colocada a fasquia a uma altura incrível logo na abertura desta edição do Festival de Jazz de Guimarães, foi com enorme expectativa que assistimos ao concerto de Joe Lovano. A sua presença em palco, porém, acabaria por se revelar fracassada, sobretudo porque a música que Lovano nos trouxe, ainda que rica em texturas rítmicas, revelou uma dimensão demasiado livre, com reflexos negativos particularmente na consistência harmónica e melódica de alguns temas, bem como na coerência dum alinhamento que acabou por misturar preciosas pérolas com um experimentalismo de gosto duvidoso.

Com Marilyn Crispell no piano e Carmen Castaldi na bateria, este Trio Tapestry – que é também o título do álbum editado em Janeiro deste ano pela editora ECM – só a espaços conseguiu fazer passar a mensagem de uma “música introspetiva e contemplativa, desinteressada de ambições virtuosísticas, desligada de pretensões de inovação, focada sobretudo na expressão da beleza e comprometida apenas com o propósito da partilha e da congregação dos espíritos”. E se é verdade que “Rare Beauty”, “Tarrassa” ou “Night Creatures” poderiam facilmente suportar a carta de intenções do trio, temas como “Gong Episode” ou “Dream and That” acabam por deitar tudo a perder.

Há, todavia, um aspecto de enorme relevância neste concerto e que importa realçar pela positiva. Falo de Marilyn Crispell e da forma como brilha neste trio. Carregando sobre si a tarefa de alimentar o diálogo com o saxofone e, a espaços, com a bateria (ou com os dois), a pianista cota-se como a figura central do agrupamento, chamando a si o grosso das atenções. É inegável o virtuosismo de Joe Lovano, como é de louvar a forma “sussurrada” como Carmen Cristaldi faz ouvir a sua bateria. Crispell, contudo, destaca-se na sua forma de entender a música e de a mostrar, o que permite uma constatação óbvia: Fui a Guimarães para ouvir Lovano, mas foi Marilyn Crispell que trouxe comigo. Nos sentidos e no coração.

[Foto: Centro Cultural Vila Flor | facebook.com/CCVF.Guimaraes/]

domingo, 10 de novembro de 2019

CONCERTO: Charles Lloyd "Kindred Spirits"



CONCERTO: Charles Lloyd “Kindred Spirits”
Guimarães Jazz 2019
Centro Cultural Vila Flor, Grande Auditório
07 Nov 2019 | qui | 21:30


Primeiro, é o piano de Gerald Clayton que se insinua. Lento, sincopado, triste como um lamento. É dele o som que se derrama em fado, as notas a convidar à viagem interior, à introspecção, ao silêncio. Quebrando o solo, a bateria de Eric Harland e o contrabaixo de Harish Raghavan introduzem novos sons, reforçando o ritmo, e pensamos que nunca o fado e o jazz latino estiveram tão próximos. Já a guitarra de Marvin Sewell se adentra por terrenos dos blues quando o todo ganha outra expressividade e o resultado, indecifrável no início, remete cada vez mais para algo reconhecível. Mas é com o tom grave do saxofone de Charles Lloyd, o seu fraseado esclarecido e profundamente límpido, que temos a certeza de estarmos perante uma versão sublime de La Llorona, um tema imortalizado na voz de Chavela Vargas e que, mais do que ao folclore mexicano, pertence ao mundo. Tal como o fado!

Neste, como no inicial “Dream Weaver”, em Zoltan”, no hino identitário dos negros norte-americanos que é Lift Every Voice and Sing ou nos restantes temas oferecidos ao público por essa lenda viva do Jazz que dá pelo nome de Charles Lloyd, a nota foi de transcendência. “Kindred Spirits”, concerto de abertura do Guimarães Jazz 2019, foi todo ele um somar de momentos prodigiosos, deixando o vasto e esgotadíssimo auditório do CCVF completamente rendido ao talento e à vitalidade deste “jovem” de 81 anos. Ao longo de seis longos temas, nos quais se inclui um muito pleiteado e devido “encore”, Charles Lloyd soube encantar pela sua jovial presença em palco, mas sobretudo pelo seu virtuosismo no domínio do saxofone, mas também da flauta, surgida já na parte final do concerto com o tema “Dismal Swamp”.

Saxofonista superlativo e um compositor sofisticado, Charles Lloyd é um músico com uma componente histórica fortíssima, tendo tocado com praticamente todos os grandes nomes do jazz, de Cannonball Adderley a Don Cherry, de Tony Williams a Keith Jarrett. Desta vez, apresentou-se em palco com uma formação que nele é pouco usual, um quinteto, saindo reforçada a ideia de que sempre soube acompanhar-se de músicos de enorme valia. Gerald Clayton provou ser um pianista enorme, quer num registo mais clássico, quer em áreas que apelam à improvisação. Já Marvin Sewell encantou em acordes que fundiram no jazz os géneros do blues e do rock. Discretos mas tremendamente eficazes, Harish Raghavan e Eric Harland asseguraram na perfeição a componente rítmica, suportando os seus pares em melodias preciosas ou em improvisações puramente mágicas. Se há concertos que valem pelos momentos, há igualmente momentos que valem por uma vida. “Kindred Spirits” foi um desses momentos!

[Foto: © Guimaraes Jazz – Centro Cultural Vila Flor | facebook.com/CCVF.Guimaraes/]