CONCERTO: Charles Lloyd “Kindred
Spirits”
Guimarães Jazz 2019
Centro Cultural Vila Flor, Grande
Auditório
07 Nov 2019 | qui | 21:30
Primeiro, é o piano de Gerald Clayton
que se insinua. Lento, sincopado, triste como um lamento. É dele o
som que se derrama em fado, as notas a convidar à viagem interior, à
introspecção, ao silêncio. Quebrando o solo, a bateria de Eric
Harland e o contrabaixo de Harish Raghavan introduzem novos sons,
reforçando o ritmo, e pensamos que nunca o fado e o jazz latino
estiveram tão próximos. Já a guitarra de Marvin Sewell se adentra
por terrenos dos blues quando o todo ganha outra expressividade e o
resultado, indecifrável no início, remete cada vez mais para algo
reconhecível. Mas é com o tom grave do saxofone de Charles Lloyd, o
seu fraseado esclarecido e profundamente límpido, que temos a
certeza de estarmos perante uma versão sublime de La Llorona, um
tema imortalizado na voz de Chavela Vargas e que, mais do que ao
folclore mexicano, pertence ao mundo. Tal como o fado!
Neste, como no inicial
“Dream Weaver”, em “Zoltan”, no hino identitário dos negros norte-americanos que é “Lift Every Voice and Sing” ou nos restantes temas oferecidos ao público por
essa lenda viva do Jazz que dá pelo nome de Charles Lloyd, a nota
foi de transcendência. “Kindred Spirits”, concerto de abertura
do Guimarães Jazz 2019, foi todo ele um somar de momentos
prodigiosos, deixando o vasto e esgotadíssimo auditório do CCVF
completamente rendido ao talento e à vitalidade deste “jovem” de
81 anos. Ao longo de seis longos temas, nos quais se inclui um muito
pleiteado e devido “encore”, Charles Lloyd soube encantar pela
sua jovial presença em palco, mas sobretudo pelo seu virtuosismo no
domínio do saxofone, mas também da flauta, surgida já na parte
final do concerto com o tema “Dismal Swamp”.
Saxofonista superlativo e um compositor
sofisticado, Charles Lloyd é um músico com uma componente histórica
fortíssima, tendo tocado com praticamente todos os grandes nomes do
jazz, de Cannonball Adderley a Don Cherry, de Tony Williams a Keith
Jarrett. Desta vez, apresentou-se em palco com uma formação que
nele é pouco usual, um quinteto, saindo reforçada a ideia de que
sempre soube acompanhar-se de músicos de enorme valia. Gerald
Clayton provou ser um pianista enorme, quer num registo mais
clássico, quer em áreas que apelam à improvisação. Já Marvin
Sewell encantou em acordes que fundiram no jazz os géneros do blues
e do rock. Discretos mas tremendamente eficazes, Harish Raghavan e
Eric Harland asseguraram na perfeição a componente rítmica,
suportando os seus pares em melodias preciosas ou em improvisações
puramente mágicas. Se há concertos que valem pelos momentos, há
igualmente momentos que valem por uma vida. “Kindred Spirits” foi
um desses momentos!
[Foto: © Guimaraes Jazz – Centro
Cultural Vila Flor | facebook.com/CCVF.Guimaraes/]
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