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sábado, 16 de novembro de 2024

CONCERTO: Wadada’s Fire-Love Expanse



CONCERTO: Wadada’s Fire-Love Expanse
Wadada Leo Smith
Lamar Smith, Ashley Walters, John Edwards, Mark Sanders
Guimarães Jazz 2024
Centro Cultural Vila Flor – Grande Auditório Francisca Abreu
14 Nov 2024 | qui | 21:30


A abrir o último fim de semana do Guimarães Jazz 2024, o palco do Grande Auditório Francisca Abreu do Centro Cultural Vila Flor acolheu aquele que, pela dimensão colossal do seu percurso no jazz e pela sua inegável influência na música contemporânea, não poderia deixar de ser considerado a grande figura de relevo histórico do programa desta 33ª edição do festival. Falo de Wadada Leo Smith cuja sonoridade única do seu trompete, um som simultaneamente expressivo e depurado, e a versatilidade do seu ímpeto criativo, cristalizado numa música que flui harmoniosamente com a passagem do tempo, são características que contribuem decisivamente para o seu estatuto icónico. Um olhar mais demorado sobre o seu trajecto artístico revela-nos também, e sobretudo, um criador multi-facetado (com incursões na pintura e na escrita), atento às transformações estéticas à sua volta e permanentemente em busca de um som capaz de traduzir o “novo”.

Acompanhado pelo guitarrista (e seu neto) Lamar Smith, pela violoncelista Ashley Walters e por uma secção rítmica de contrabaixo e bateria, assegurada por dois experientes músicos britânicos, John Edwards e Mark Sanders, respectivamente, Wadada Leo Smith fez do tempo do concerto um inspirado exercício de criatividade, improvisação e liberdade. Baseando a sua performance na combinação de dois diálogos distintos - de um lado Sanders e Edwards e, do outro, Walters e Wadada Leo Smith -, o quinteto afastou-se das práticas conducentes à harmonia e ao ritmo, levando o público numa viagem ao longo do Chaco Canyon, uma paisagem desértica do noroeste do Novo México. É no vento que percorre as ruínas de uma das mais importantes áreas culturais e históricas pré-colombianas dos Estados Unidos, no intenso cheiro a terra molhada após uma rara chuvada ou na abóbada estrelada das noites no Canyon que se situa uma música feita de intriga, desafio e inspiração.

John Edwards e Mark Sanders fizeram questão de mostrar ao que vinham, abrindo com estrondo o concerto. Como seria de esperar, a plateia reagiu com expectativa em relação ao que a esperava, enquanto acompanhava a abordagem esquizofrénica do contrabaixo e a exploração caótica dos limites da bateria. Quando o violoncelo e o trompete se deram a ouvir numa deriva essencialmente clássica, o choque não poderia ser maior. Abarcar duas componentes distintas numa mesma composição e entregar-se à fruição de uma música de tons ocres e cheiros acres foi tarefa que uma parte do público não mostrou grande disponibilidade para aceitar. Levados pelo efeito contrapontístico de uma guitarra a fazer lembrar Ry Cooder e o inesquecível “Paris, Texas”, aqueles que se deixaram arrastar neste turbilhão de vento e poeira, mergulhando o olhar na miragem de um horizonte infinito, terão amado o concerto. Eu amei!

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