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CERTAME: Festival Literário de Ovar 2020
Ana Torrie, Ângela de Almeida, António Carlos Cortez, Bruno Henriques, Carlos Nuno Granja, Clara Oliveira, Cláudia Andrade, Cristina Marques, Dina Sachse, Elsa Serra, Emanuela Nicoli, Francisco Moita Flores, Gonçalo M. Tavares, Inês Severino, Isabel Nery, Isabel Ricardo, João Rasteiro, Lauro António, Leandro Ribeiro, Luís Filipe Sarmento, Luís Portugal, Manuella Bezerra de Melo, Marcelo Teixeira, Marta Nunes, Miguel Carvalho, Pedro-Guilherme Moreira, Pedro Lamares, Raquel Ramos, Ricardo Coelho, Rui David, Rui Guedes, Rui Vilhena, Sara F. Costa, Sílvia Mota Lopes, Vítor de Sousa
Vários locais
09 > 13 Set 2020
Ana Torrie, Ângela de Almeida, António Carlos Cortez, Bruno Henriques, Carlos Nuno Granja, Clara Oliveira, Cláudia Andrade, Cristina Marques, Dina Sachse, Elsa Serra, Emanuela Nicoli, Francisco Moita Flores, Gonçalo M. Tavares, Inês Severino, Isabel Nery, Isabel Ricardo, João Rasteiro, Lauro António, Leandro Ribeiro, Luís Filipe Sarmento, Luís Portugal, Manuella Bezerra de Melo, Marcelo Teixeira, Marta Nunes, Miguel Carvalho, Pedro-Guilherme Moreira, Pedro Lamares, Raquel Ramos, Ricardo Coelho, Rui David, Rui Guedes, Rui Vilhena, Sara F. Costa, Sílvia Mota Lopes, Vítor de Sousa
Vários locais
09 > 13 Set 2020
Edifício literário de inegável valor e alcance, o Festival Literário de Ovar viu cumprida a sua sexta edição. Com oito mesas desenhadas para cinco dias de intensa actividade literária, o certame centrou-se em três equipamentos culturais de referência da cidade – Centro de Arte de Ovar, Escola de Artes e Ofícios e Biblioteca Municipal de Ovar –, estendendo-se ainda ao Polo de Capacitação e Inovação Social de S. João de Ovar e ao Auditório da Junta de Freguesia de Cortegaça. Reunindo quase quatro dezenas de convidados, entre escritores, ilustradores, editores, tradutores, músicos, contadores de histórias, declamadores, artistas plásticos, actores e até um cineasta, esta edição viu a sua oferta ampliada com exposições, oficinas, lançamentos de livros, teatro, contos, poesia, música, visitas guiadas e um espaço livro, num trabalho de programação intenso e cuidado, ao encontro de um público cada vez mais atento e conhecedor. Mérito de Carlos Nuno Granja, um verdadeiro lutador, aquela pessoa que teima e resiste, que insiste, fazendo com que estas preciosas pérolas continuem a acontecer numa cidade cuja vida cultural deixa imenso a desejar.
Porque não é possível estar em mais do que um sítio ao mesmo tempo, apenas me foi dada a possibilidade de marcar presença no FLO 2020 em três momentos. Um deles teve lugar na manhã de hoje e revelou-se absolutamente precioso. Tratou-se da visita orientada pela artista plástica Ana Torrie à sua exposição “Onde a Erva Murmura”, patente no Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense e acerca da qual falarei separadamente em artigo aqui no blogue. Também detalharei o espectáculo do Centro de Arte que encerrou o certame e que reuniu Pedro Lamares e Rui David em torno do livro de poemas de Manuel António Pina, “Como se Desenha uma Casa”. Só peço um pedacinho de paciência, mas promete ser breve.
A noite de ontem, na Escola de Artes e Ofícios, começou com a apresentação do livro “Poética Não Oficial, Poesia Contemporânea Chinesa”, um trabalho de selecção e tradução de Sara F. Costa, editado pela Labirinto. Sobre ele, a autora revelou estar ali reunida obra de trinta e três poetas, a maior parte dos quais traduzidos pela primeira vez no estrangeiro com este trabalho. São poetas que emergem de movimentos pós-revolução cultural e pós-Tiananmen, cuja estética e conteúdos se mostram “desalinhados” do discurso oficial, sem que isso signifique, necessariamente, tratar-se de uma poesia anti-sistema. Com este livro, Sara F. Costa vem colmatar uma lacuna, uma vez que a poesia chinesa publicada no nosso país quase se resume aos poetas clássicos, excluindo todos os restantes. Momento particularmente saboroso, a declamação de um poema em mandarim serviu de pretexto para a autora explicar a dificuldade de dominar um vasto universo de mais de dois mil caracteres, numa língua rica em trocadilhos e duplos significados, exemplificando com a tradução de um mesmo poema por si e pelo conceituado escritor e historiador António Graça de Abreu, onde se percebe que ambos os tradutores dão o mesmo sentido ao poema mas a organização das palavras é substancialmente diferente.
A noite prosseguiu com a Mesa 6, moderada por Cristina Marques e na qual tomou parte, para além de Sara F. Costa, a ficcionista Cláudia Andrade. Foi uma conversa onde ficámos a conhecer duas décadas de trabalho literário de Cláudia Andrade, um trabalho que, verdadeiramente, só se fez notar nos dois últimos anos, primeiro com a publicação de “Quartos de Final e Outras Histórias” e entretanto, no passado mês de Março, com “Caronte à Espera”, ambos com a chancela da Elsinore. Foi interessante perceber algum pragmatismo nas palavras de autora – “passo a ser escritora no dia em que me pagarem para não ter de fazer outra coisa”, disse –, mas também um pouco do seu processo criativo, “um universo onde ninguém mais entra”, a escrita como forma de libertação pessoal, “uma brincadeira comigo mesma, uma catarse”. A fechar o dia, Elsa Serra veio contar uma mão cheia de saborosas histórias, nomeadamente ao encontro do “primeiro contador de histórias do mundo”, um homem que no mesmo sítio, à mesma hora, esticava o seu tapete, pousava o seu pote de barro, puxava do seu banco de madeira e contava, contava, contava...
Na tarde de hoje, o Centro de Arte de Ovar abriu as portas ao derradeiro acto do certame. Homenageando Amália, no centenário do seu nascimento, a mesa 8 contou com a presença do jornalista Miguel Carvalho e do cineasta Lauro António, tendo a moderá-la o editor Marcelo Teixeira. Foi uma conversa riquíssima, tanto pelas memórias partilhadas por Lauro António que, por motivos profissionais, conviveu com a cantora, como pelos elementos de pesquisa de Miguel Carvalho e que se encontram compilados em “Amália – Ditadura e Revolução”, considerada já por muitos como a biografia definitiva desse enorme vulto da nossa cultura. Foi interessante ouvir Lauro António afirmar que Amália “não teve sorte com os realizadores [que a dirigiram], foi muito mal aproveitada no cinema”. Mas sobretudo louvar Amália como alguém que “buscava poetas de grande qualidade, sem olhar à sua cor política” e elogiar o “notável trabalho de pesquisa [de Miguel Carvalho], que faz de Amália o fio condutor para dar a ver a história do País, tanto no tempo do Estado Novo como no período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974.
Miguel Carvalho encantou ao falar de “Amália – Ditadura e Revolução”, criando uma enorme expectativa naqueles que ainda não tiveram a oportunidade de o ler. As palavras de José Saramago, em 1999, sobre a ligação de Amália aos movimentos de esquerda no tempo da ditadura serviram de ponto de partida para um projecto de investigação jornalística. E se hoje temos à nossa disposição esta biografia, muita coisa aconteceu entretanto, a mais decisiva das quais terá sido mesmo a bolsa de investigação jornalística atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian e que lhe possibilitou levar o projecto a bom porto. Do trabalho árduo e exaustivo – “fui à procura de uma estante e saiu-me uma montanha”, disse –, o jornalista partilhou um conjunto de descobertas, sendo o facto de Amália estar muito mal estudada uma das mais surpreendentes. Depois foram os textos de Miguel Esteves Cardoso a desmistificar a questão do fado ser uma arte menor, colocando Amália ao nível de um Lou Reed; de Rão Kyao, com o notável “Fado Bailado”, ter dado a ver Amália como nunca até então (foi o primeiro LP de platina atribuído a discos portugueses, com mais de 200 mil cópias vendidas); e do “ovni” António Variações nos vir dizer que “todos nós temos Amália na voz”, fazendo com que a democracia se reconciliasse, definitivamente, com Amália. E é isto, que a crónica vai longa. Para o ano há mais, esperando que todos possamos voltar a juntar-nos de novo. E, como disse Carlos Nuno Granja, “sem máscaras, mais próximos”!
Porque não é possível estar em mais do que um sítio ao mesmo tempo, apenas me foi dada a possibilidade de marcar presença no FLO 2020 em três momentos. Um deles teve lugar na manhã de hoje e revelou-se absolutamente precioso. Tratou-se da visita orientada pela artista plástica Ana Torrie à sua exposição “Onde a Erva Murmura”, patente no Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense e acerca da qual falarei separadamente em artigo aqui no blogue. Também detalharei o espectáculo do Centro de Arte que encerrou o certame e que reuniu Pedro Lamares e Rui David em torno do livro de poemas de Manuel António Pina, “Como se Desenha uma Casa”. Só peço um pedacinho de paciência, mas promete ser breve.
A noite de ontem, na Escola de Artes e Ofícios, começou com a apresentação do livro “Poética Não Oficial, Poesia Contemporânea Chinesa”, um trabalho de selecção e tradução de Sara F. Costa, editado pela Labirinto. Sobre ele, a autora revelou estar ali reunida obra de trinta e três poetas, a maior parte dos quais traduzidos pela primeira vez no estrangeiro com este trabalho. São poetas que emergem de movimentos pós-revolução cultural e pós-Tiananmen, cuja estética e conteúdos se mostram “desalinhados” do discurso oficial, sem que isso signifique, necessariamente, tratar-se de uma poesia anti-sistema. Com este livro, Sara F. Costa vem colmatar uma lacuna, uma vez que a poesia chinesa publicada no nosso país quase se resume aos poetas clássicos, excluindo todos os restantes. Momento particularmente saboroso, a declamação de um poema em mandarim serviu de pretexto para a autora explicar a dificuldade de dominar um vasto universo de mais de dois mil caracteres, numa língua rica em trocadilhos e duplos significados, exemplificando com a tradução de um mesmo poema por si e pelo conceituado escritor e historiador António Graça de Abreu, onde se percebe que ambos os tradutores dão o mesmo sentido ao poema mas a organização das palavras é substancialmente diferente.
A noite prosseguiu com a Mesa 6, moderada por Cristina Marques e na qual tomou parte, para além de Sara F. Costa, a ficcionista Cláudia Andrade. Foi uma conversa onde ficámos a conhecer duas décadas de trabalho literário de Cláudia Andrade, um trabalho que, verdadeiramente, só se fez notar nos dois últimos anos, primeiro com a publicação de “Quartos de Final e Outras Histórias” e entretanto, no passado mês de Março, com “Caronte à Espera”, ambos com a chancela da Elsinore. Foi interessante perceber algum pragmatismo nas palavras de autora – “passo a ser escritora no dia em que me pagarem para não ter de fazer outra coisa”, disse –, mas também um pouco do seu processo criativo, “um universo onde ninguém mais entra”, a escrita como forma de libertação pessoal, “uma brincadeira comigo mesma, uma catarse”. A fechar o dia, Elsa Serra veio contar uma mão cheia de saborosas histórias, nomeadamente ao encontro do “primeiro contador de histórias do mundo”, um homem que no mesmo sítio, à mesma hora, esticava o seu tapete, pousava o seu pote de barro, puxava do seu banco de madeira e contava, contava, contava...
Na tarde de hoje, o Centro de Arte de Ovar abriu as portas ao derradeiro acto do certame. Homenageando Amália, no centenário do seu nascimento, a mesa 8 contou com a presença do jornalista Miguel Carvalho e do cineasta Lauro António, tendo a moderá-la o editor Marcelo Teixeira. Foi uma conversa riquíssima, tanto pelas memórias partilhadas por Lauro António que, por motivos profissionais, conviveu com a cantora, como pelos elementos de pesquisa de Miguel Carvalho e que se encontram compilados em “Amália – Ditadura e Revolução”, considerada já por muitos como a biografia definitiva desse enorme vulto da nossa cultura. Foi interessante ouvir Lauro António afirmar que Amália “não teve sorte com os realizadores [que a dirigiram], foi muito mal aproveitada no cinema”. Mas sobretudo louvar Amália como alguém que “buscava poetas de grande qualidade, sem olhar à sua cor política” e elogiar o “notável trabalho de pesquisa [de Miguel Carvalho], que faz de Amália o fio condutor para dar a ver a história do País, tanto no tempo do Estado Novo como no período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974.
Miguel Carvalho encantou ao falar de “Amália – Ditadura e Revolução”, criando uma enorme expectativa naqueles que ainda não tiveram a oportunidade de o ler. As palavras de José Saramago, em 1999, sobre a ligação de Amália aos movimentos de esquerda no tempo da ditadura serviram de ponto de partida para um projecto de investigação jornalística. E se hoje temos à nossa disposição esta biografia, muita coisa aconteceu entretanto, a mais decisiva das quais terá sido mesmo a bolsa de investigação jornalística atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian e que lhe possibilitou levar o projecto a bom porto. Do trabalho árduo e exaustivo – “fui à procura de uma estante e saiu-me uma montanha”, disse –, o jornalista partilhou um conjunto de descobertas, sendo o facto de Amália estar muito mal estudada uma das mais surpreendentes. Depois foram os textos de Miguel Esteves Cardoso a desmistificar a questão do fado ser uma arte menor, colocando Amália ao nível de um Lou Reed; de Rão Kyao, com o notável “Fado Bailado”, ter dado a ver Amália como nunca até então (foi o primeiro LP de platina atribuído a discos portugueses, com mais de 200 mil cópias vendidas); e do “ovni” António Variações nos vir dizer que “todos nós temos Amália na voz”, fazendo com que a democracia se reconciliasse, definitivamente, com Amália. E é isto, que a crónica vai longa. Para o ano há mais, esperando que todos possamos voltar a juntar-nos de novo. E, como disse Carlos Nuno Granja, “sem máscaras, mais próximos”!
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