CONCERTO: Gurdjieff Ensemble
48º FIME – Festival Internacional de Música de Espinho
Auditório de Espinho – Academia
02 Jul 2022 | sab | 21:30
Sublime é, porventura, o adjectivo que melhor descreve o concerto do Gurdjieff Ensemble do passado sábado à noite, no Auditório de Espinho. Com um alinhamento assente em obras dos compositores arménios George Ivanovich Gurdjieff e Komitas, o concerto teve para oferecer um conjunto de temas de cariz folclórico e religioso, numa viagem às raízes da tradição musical da Arménia, com passagem pela música litúrgica ortodoxa russa, pelas canções trovadorescas do Cáucaso e pelas sonoridades curdas, persas ou assírias que cruzam as vastas regiões do Médio Oriente. Superiormente dirigidos por Levon Eskenian, director artístico do Gurdjieff Ensemble e responsável pelos arranjos de obras originalmente concebidas para piano, os oito intérpretes em palco mostraram-se irrepreensíveis no domínio da voz e dos instrumentos, embalando os presentes com as sonoridades únicas da zourna e da kamancha, do kanon e do santur, do oud e do tmbouk, do duduk e do tar.
Escutar a música do Gurdjieff Ensemble é mergulhar bem fundo na alma de um povo. É sentir o vento que atravessa o lago Sevã e erguer o olhar sobre os rebanhos que pastam nas colinas de Tsakhkadzor. É arrepiar-se com os cantos litúrgicos na Catedral de Echmiadzin e abraçar em festa os primeiros raios de sol a anunciar um novo dia nos montes Ararate. Mas é também sofrer com aqueles que, ao longo dos milénios, foram obrigados a deixar tudo para trás, fugindo do invasor e do opressor, e chorar as vítimas do genocídio que, em 1915 e 1916, levou ao desaparecimento de cerca de um milhão de arménios, quase apagando a identidade de uma cultura ímpar. Numa atmosfera de autenticidade e arrebatamento, a música do Gurdjieff Ensemble é um vector de unidade e harmonia, ao mesmo tempo história e tradição, emoção e liberdade.
Como a neve que cai na Primavera, pintando os campos de branco e deixando o ar mais fresco e leve, assim é a música deste agrupamento. Alva e pura, desenha-se de forma harmoniosa e mostra-se imensamente bela e rica de sonoridades que ora convidam ao recolhimento, ora se desenrolam em danças festivas. Como que em hipnose, cerramos os olhos e deixamo-nos tomar pela comoção de uma música que congrega em si a vida, a sabedoria e a espiritualidade que a todos une. Não raro, os seus acordes sugerem passagens que nos são familiares. Neles viajamos aos confins da Ásia, o que não será de todo estranho visto a Arménia ter sido ponto de passagem da importante “Rota da Seda”, provavelmente a rota comercial mais importante da História. Mas que dizer da linguagem festiva que remete para bem perto de nós, ao encontro da folia do entrudo por terras de Miranda? Pura coincidência, ou haverá mais de Arménio em nós do que aquilo que supúnhamos?
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