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terça-feira, 5 de julho de 2022

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Na Estrada do Surrealismo"


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EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Na Estrada do Surrealismo”,
de Fernando Lemos
Centro Português de Fotografia
02 Jun > 30 Out 2022


Tudo terá começado com a amizade entre Mário Cesariny e Alexandre O’Neill feita nas tardes de bilhar na Cubana e com a leitura de ambos do livro “A História do Surrealismo”, de Maurice Nadar. Estávamos em 1947 e o movimento surrealista, iniciado em França nos anos 20 do século passado, estendera-se, entretanto, a vários países europeus e chegava a uma Lisboa que era, agora, “pura abjecção”, a Elsinore, como lhe chamou Cesariny, lembrando o castelo de Hamlet, “um reino tão podre quanto o da Dinamarca”. Não obstante todas as tentativas, então como agora, de o recalcarem, o Surrealismo vingou e teve o seu manifesto português. Foi o tempo da elaboração dos “cadavres exquis” e outros automatismos em pinturas colectivas, de se escrever poesia pelos cafés, de homenagear Gomes Leal, de O’Neill fazer esculturas com ossos. O tempo de abraçar uma ética contra o “medo perfilado”, o tempo do “dever de falar” contra “o poder que corrompe, o miserabilismo neorrealista, esta maneira mansa e quase vegetal de viver”.

Hoje, três quartos de século volvidos sobre o aparecimento do primeiro grupo surrealista no nosso país, quão desconhecidos ainda são para nós os surrealistas? O facto de muitos verem no surrealismo português “um grupo e não um movimento” e de o considerarem “tardio” e “anacrónico”, concorre para o não reconhecimento da sua importância no contexto da arte da segunda metade do século XX. Por outro lado, a facilidade com que se transforma o substantivo em mero adjectivo, usando-o pejorativamente no lugar de “bizarro”, “irreal” ou “excêntrico, mostra o quanto este movimento carece de ser compreendido. Uma achega importante para esta compreensão chega-nos através da exposição de fotografia “Na Estrada do Surrealismo”, conjunto de 123 imagens da autoria de Fernando Lemos e pertencentes à colecção da Fundação Cupertino de Miranda, “que nos transportam para a liberdade e automatismo do surrealismo, onde todas as compreensões do real se alteravam.”

Ocupando um vasto espaço do Centro Português de Fotografia, “Na estrada do Surrealismo” revela o seu fascínio ao sublinhar o inconsciente óptico, como se de um sonho acordado se tratasse. São imagens que nos convidam a abraçar a liberdade e os automatismos característicos do movimento, pondo em destaque a beleza, a irreverência e a poesia que se desprende de cada registo. Entre imagens desfocadas, duplicadas ou sobrepostas, os olhares de Sophia de Mello Breyner ou de Jorge de Sena, de António Pedro ou de Vieira da Silva, cruzam-se com os das sargaceiras de Moledo ou da criança que quer ser santa quando for grande. O sentimento é de uma profunda admiração face a todo um universo imaterial, profundamente onírico, que desafia a imaginação e exalta os sentidos. Pegando nas palavras do próprio artista, Fernando Lemos desenha como se pintasse, pinta como se fotografasse, fotografa como se escrevesse, numa espiral criadora com tanto de engenhoso e real, como de fantasioso e quimérico. Uma das mais extraordinárias exposições do ano, absolutamente imperdível.

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