Unidade museológica polinucleada, o Museu da Memória Rural, no concelho de Carrazeda de Ansiães, constitui-se num guardião da autenticidade da cultura rural e do património imaterial da região duriense e transmontana. Trata-se de um espaço destinado ao estudo e à recolha das tradições e saberes concelhios, cada vez mais em desuso, voltando o discurso museográfico para as temáticas relacionadas com as antigas práticas das culturas da vinha e dos cereais. É em torno destes dois grandes eixos que se desenvolve todo um discurso plural modelador das relações sociais entre múltiplos agentes, ao encontro de modos de vida ligados aos ofícios tradicionais como o do ferrador ou do canastreiro, do pescador do rio Douro, da padeira, da queijeira e do pastor, do tanoeiro, do sapateiro, do funileiro, do moleiro ou do corticeiro.
Centrado num edifício sede, em Vilarinho da Castanheira, o Museu da Memória Rural distribui-se por mais quatro núcleos disseminados pelo restante território concelhio. Os horários indicados acima dizem respeito ao núcleo principal, em Vilarinho da Castanheira, devendo as visitas aos restantes núcleos ser agendadas com os serviços da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães através do telefone 278 610 200. Para uma melhor compreensão do que é o Museu da Memória Rural e de que forma ele é representativo de toda esta vasta região, parece importante começar por visitar o núcleo principal, em Vilarinho da Castanheira. À nossa espera está uma enorme oferta assente em tecnologias interactivas, com tanto de didáctico quanto de lúdico. O chilrear dos pássaros, os cânticos de trabalho, o dobrar dos sinos e toda uma série de ruídos campestres espalham-se pelo espaço. As fotografias que ilustram este mundo de artes e ofícios são fantásticas, como fantásticas e preciosas são as explicações do Nélson Tito, anfitrião dedicado, sensível e extremamente disponível, sempre pronto a esclarecer qualquer dúvida ou a enriquecer de pormenores o que os olhos e a mente só parcialmente alcançam.
Vilarinho da Castanheira e o seu Museu podem perfeitamente servir de ponto de partida para a visita ao núcleo dos Moinhos de Rodízio da Ribeira do Couto. O caminho faz-se caminhando, que o mesmo é dizer que existe um percurso de Pequena Rota - o PR6 CRZ Trilho da Aldeia dos Moinhos -, circular, com uma extensão aproximada de seis quilómetros, que leva o visitante ao encontro de um vasto conjunto de estruturas molineiras tradicionais, ainda bem preservadas. Levadas, represas e vários outros edifícios funcionais como fornos de cozer pão, palheiros, pombais e habitações, são os últimos vestígios de um local que, ao longo do século XX, foi crescendo em importância e número de habitantes, ao ponto de ser designado localmente como “a aldeia dos moinhos”. Esta designação traduz a realidade de um local que chegou a albergar sazonalmente uma boa percentagem da população de Vilarinho da Castanheira.
A Telheira de Luzelos é o núcleo seguinte. É lá que ficamos a conhecer as várias etapas do fabrico artesanal da telha, desde o arrancar o barro em profundidade, até à distribuição e venda da telha, “os escassos tostões amealhados por cada telha que pagavam o lago de suor vertido pelos homens”. Todo o processo foi recriado e pode agora ser apreciado através de um vídeo explicativo de enorme qualidade e minúcia, complementado por uma série de imagens preciosas e pelas achegas de Cristiano Sousa, o técnico superior de turismo que a Câmara de Carrazeda de Ansiães destinou para nos acompanhar nesta visita. Foi com ele que visitámos a Igreja da Lavandeira, a senhorial Casa de Selores, o Castelo de Ansiães e a Igreja de S. Salvador de Ansiães, esta última datada da primeira metade do século XII e que se constitui no mais completo exemplar do românico português.
Foi também Cristiano Sousa que nos levou a conhecer o último núcleo deste nosso périplo pelo Museu da Memória Rural.
O Núcleo do Azeite - Lagar da Lavandeira situa-se na aldeia da Lavandeira e através dele pode o visitante integrar-se numa temática que abrange as tradições associadas aos trabalhos agrícolas da cultura da oliveira e às técnicas de produção do azeite, desde sempre usado como tempero, mas com outras e diversificadas aplicações que vão da iluminação à cosmética e à produção de sabão. Da apanha da azeitona e dos ranchos de jornaleiros recrutados fora da povoação para trabalho tão duro e ingrato, ao delicado néctar e a todo um conjunto de tarefas que competiam para a sua extração e acondicionamento, vai um conjunto de procedimentos muito bem definidos para que o labor que ocupou tanta mão-de-obra e tanto sacrifício na recolha de cada bago, não se perdesse agora. A sangra ia para a rua através de um sistema de drenagem a que chamavam inferno; o azeite ia para casa, quantas vezes num odre feito de pele de cabrito, para depois “regar as batatas”, alumiar as noites de breu, cumprir a promessa de uma “ luzinha” no culto ao santo de maior devoção, ou em respeito pelas alminhas dos entes queridos.
Propositadamente, não visitámos o Núcleo do Moinho de Vento. Altaneiro, velas enfunadas, dominando o panorama de quem se aproxima da vila pelo seu lado nascente, saudou-nos nas três ou quatro vezes que por lá passámos. Trata-se do único exemplar em funcionamento na região e um dos poucos no panorama do nordeste transmontano e da região duriense, sobretudo porque o clima e o relevo, este último bastante acidentado, sempre foi mais propício à instalação de moinhos de água que correm (ou corriam) durante praticamente todo o ano. Passar ao lado deste moinho constitui o melhor pretexto para render uma nova visita a esta belíssima região. Nunca será demais felicitar Carrazeda de Ansiães e todos os carrazedenses pela forma como valorizam e preservam o seu património. Mas também a forma como contribuem para a sua divulgação, mediante a criação e dinamização de espaços como este Museu da Memória Rural: Um espaço participado pela comunidade, um espaço de debate e de reflexão, um espaço de pedagogia, um espaço de memória. Um espaço de futuro!
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