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segunda-feira, 26 de maio de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Luzes Líquidas" | Paulo Heise



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Luzes Líquidas”,
de Paulo Heise
iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes 2025
Bombeiros Voluntários de Avintes
02 Mai > 31 Maio 2025


Agora que a décima segunda edição do iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes se aproxima do fim, é tempo de falar de “Luzes Líquidas”, a exposição de Paulo Heise que pode ser vista no Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Avintes. Trata-se de um projecto nascido da união de duas paixões – as histórias das pessoas e a água –, através do qual o fotógrafo brasileiro nos oferece uma visão muito pessoal daquilo que está para lá da própria fotografia. Com um cunho fortemente experimental, esta série de Paulo Heise tira o melhor partido do espaço aberto à criatividade para manipular, justapôr e reconfigurar as imagens, transformando fotografias simples e estáticas em algo completamente novo. Desempenhando um papel primordial no trabalho do artista, a luz desenha verdadeiros quadros poéticos, levando a que momentos congelados no tempo se cruzem e assumam novos significados, desdobrando-se nas mais variadas narrativas e afirmando-se como parte de uma conversa maior, de uma história maior.

“Luzes líquidas conta histórias de mulheres em pleno exercício de actuação dos seus dons enquanto questiona a monótona ideia de que eles podem ser vistos por uma claridade explícita. Assim nos convida a vislumbrar, a partir da expressão dos gestos ocultos, da grande luz que surpreende a sombra, a liberdade.” As palavras são de Flávia Rubim, artista e terapeuta, partilhadas a propósito desta exposição. Procurando contextualizar as imagens que podemos apreciar, Flávia diz que “Luzes Líquidas” tem como ponto de partida o “trabalho fotográfico na busca do equilíbrio entre luz e sombra”, acrescentando que, “de tanto pesquisar sua origem buscando reconhecer dentro da sua ancestralidade a natureza sensível do seu olhar e de tanto penetrar na natureza líquida do mar atraído pela magia do silêncio e do movimento contínuo, Paulo Heise encontra no espaço escuro um lugar seguro para integrar seu grande empenho como artista à sua grande paixão: contar histórias.”

Sem grandes alardes estéticos, a série é baseada na figura da mulher e procura captar subtis nuances na forma como, por seu intermédio, o tempo se prolonga. A ler ou a tocar música, a dançar ou a meditar, é ela a figura central de imagens de grande beleza, nas quais o movimento implícito convoca uma noção de estranheza, como se o sujeito estivesse e não estivesse ao mesmo tempo. Esta ideia de impermanência, de uma quase espectralidade, remete para o papel da mulher na sociedade, para o que é e não é, refém de convenções ideológicas, culturais, sociais e morais que a condicionam e limitam na sua identidade e verdade. Explorar os desafios, as complexidades e os pontos fortes únicos, as expectativas sociais e a individualidade do ser mulher, devolver-lhe a vitalidade, a cor e o movimento, destacando a sua resiliência e o poder que molda as suas vidas é algo que não escapa à sensibilidade e ao poder criativo de Paulo Heise.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “A Terra dos Filhos do Sol – Desafio do Povo Xokleng” | Anderson Coelho



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “A Terra dos Filhos do Sol – Desafio do Povo Xokleng”,
de Anderson Coelho
iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes 2025
Bombeiros Voluntários de Avintes
02 Mai > 31 Maio 2025


Foi com emoção e júbilo que o povo Laklãnõ-Xokleng viu, no dia 21 de Setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal do Brasil colocar um ponto final na lei indigna do Marco Temporal, devolvendo aos povos indígenas a justiça e o respeito pelos seus direitos. Originários de uma vasta região inserida nos Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, os Laklãnõ-Xokleng enfrentam uma histórica perseguição desde o século XIX, quando teve início o processo de colonização e ocupação de terras no sul do Brasil levado a cabo por bugreiros contratados para dizimar os indígenas - então pejorativamente chamados de “bugres”. Os ciclos de violência, porém, nunca cessaram, sendo o Marco Temporal - uma interpretação ruralista que estabeleceu a data de 5 de outubro de 1988 como limite para o reconhecimento da ocupação tradicional indígena no país – o mais recente atentado à comunidade. Ora, os Laklãnõ-Xokleng não ocupavam as suas terras apenas e só porque estavam impedidos de o fazer por força das circunstâncias que marcam a sua história naquele território. Com o acórdão do Supremo, não só foi feita justiça, abrindo portas à demarcação definitiva da TI Ibirama-La Klãnõ, como se reconheceram ciclos consecutivos de violência praticados contra os Xokleng, com a participação directa do Estado brasileiro.

Os ecos dos festejos faziam-se sentir ainda quando nova tragédia sobreveio aos Laklãnõ-Xokleng. Na noite de 13 de outubro de 2023, a comunidade enfrentou uma cheia sem precedentes, causada pelo fecho, com recurso à força policial, das comportas do reservatório da Barragem Norte. Mais de trezentas pessoas viram as suas casas invadidas pelas águas e as suas aldeias isoladas, sendo forçadas a deslocar-se para áreas seguras, uma saga que se repete desde a década de 1970, a cada nova cheia. Sem acesso à água potável, alimentos básicos e instalações sanitárias nos abrigos onde se socorreram, as pessoas reclamaram da atitude do Governo Federal que tem, sistematicamente, mostrado a sua prepotência no tratamento dado aos indígenas com a construção da barragem na década de 70. É que a Barragem Norte não só veio reduzir drasticamente as áreas agrícolas e habitacionais, como degradou o rio, provocando cheias no inverno e impondo secas nas restantes estações. Acresce que a barragem e a sua zona de impacto estão dentro dos parcos 15% de área “útil” que resta das expropriações do território tradicional Xokleng.

Ensaio fotográfico de enorme relevância, “A terra dos filhos do sol – O Desafio do povo Xokleng” é uma pequena mostra dos embates que estes povos indígenas do sul do Brasil enfrentam para poder sobreviver. Na sua força e na sua luta, eles tipificam as minorias esmagadas pela opressão capitalista na sua sede de mais dinheiro e mais poder. Inscrita na 12.ª edição do iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes, a exposição oferece pistas importantes sobre o viver e o sentir destas comunidades, dando a ver um conjunto de imagens de cunho documental reveladoras de um quotidiano intimamente ligado à mãe-natureza, uma cultura e uma tradição devedoras de práticas ancestrais, a riqueza que um curso de rio ou uma floresta de araucárias encerram. Mas Anderson Coelho não esconde, antes releva, a outra face da moeda: a revolta de quem rejeita viver na situação de refugiado no seu próprio território e clama por liberdade e por justiça. De forma honesta e genuína, “A terra dos filhos do sol – Desafio do povo Xokleng” convida-nos a olharmos a beleza que se esconde nas coisas mais simples e a entendermos o quão melhor seria este mundo se livre de exploradores e opressores. Para ver até ao final deste mês de Maio.

domingo, 19 de maio de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Diários do Cáucaso"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Diários do Cáucaso”,
de José Luís Santos
iNstantes 2024 - Festival Internacional de Fotografia de Avintes
Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Avintes
10 Mai > 26 Mai 2024


Geórgia, jóia do Cáucaso. Parada no meio da rua, uma mulher ergue o olhar para algo que se desenrola mais à frente. Também a criança ao seu lado, com uma boneca ao colo, parece olhar na mesma direcção. Em volta, vemos blocos de habitação de um lado e do outro da rua, varandas com marquises, carros estacionados, um céu de nuvens dispersas. Num quotidiano aparentemente normal, a nota de sobressalto está na ansiedade e na inquietação que percebemos naqueles rostos. O mesmo olhar ansioso e inquieto que vemos no rosto da rapariga parada no passeio em frente a um grande edifício no centro da cidade ou no de outra mulher que caminha apressada, tendo ao seu lado um prédio decrépito. Esse olhar sob um céu sempre carregado de nuvens, que se alonga e que torna os passos incertos e inseguros, que dá conta de quem teme pelo futuro e tem como única opção o viver o momento presente, como se cada dia fosse sempre o último das suas vidas.

Terra de fronteira e zona-tampão entre os impérios russo, persa e otomano, o Cáucaso é daqueles territórios que continuarão a sofrer pelo enorme peso com que a História se abate sobre ele. Basta olharmos para os vários conflitos que o assolam, como a guerra entre a Geórgia e a Abecazia, a autoproclamada república independente que se desvinculou do país que foi o berço de Estaline, um conflito ainda não resolvido e que parece arrastar-se indefinidamente no tempo. Mas a lista é longa e estende-se a todo o Cáucaso, com a disputa do Nagorno-Karabakh que opõe a Arménia ao Azerbaijão, os conflitos separatistas na Ossétia do Sul ou na Tchechénia, no Daguestão ou na Inguchétia. Do colapso da União Soviética, em terra onde há petróleo, sobram o desejo de uma ligação à União Europeia e aos interesses norte-americanos ou, antes, a manutenção e reforço do histórico cordão umbilical com a Rússia.

Viajante incansável, José Luís Santos volta a expor no Festival iNstantes, depois de aqui ter mostrado imagens da “Rota da Seda”, na edição de 2019. A paixão pelos vastos horizontes e pelas culturas milenares leva-o desta feita à Geórgia, onde capta um quotidiano ambíguo e impreciso, as interrogações a formarem-se em cada imagem desta série verdadeiramente impressiva. O olhar do fotógrafo cruza-se com os olhares das pessoas e, entre ambos, é a dúvida que persiste. Ele assegura que, “no meio de toda esta problemática, a vida continua porque tem de continuar”. Por isso o seu olhar poisa, de igual modo, no rosto da mulher que vende batatas num mercado ao ar livre, na carroça que se afasta deixando para trás a escultura de uma arma com um nó no cano, dos banhistas que abrem o guarda-sol nas areias do Mar Negro ou das crianças que brincam na rua indiferentes à violência que se abriga nas três estátuas decepadas de Lenine.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Homens e Mulheres de Sal e Ferro"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Homens e Mulheres de Sal e Ferro”,
de Xesús Búa
iNstantes 2024 – Festival Internacional de Fotografia de Avintes
Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Avintes
10 Mai > 26 Mai 2024


O nome científico é Pollicipes pollicipes e são uma espécie de crustáceos conhecidos pelo nome comum de percebes ou perceves. Podem encontrar-se um pouco por todo o litoral de Portugal e Espanha, mas é no noroeste peninsular e, muito em particular, no dorso das rochas da Costa da Morte, na Galiza, que encontram as condições ideais para o seu crescimento. Por esse motivo, é também aí que se concentram os mais intrépidos e arrojados percebeiros do mundo. Com efeito, é no extremo norte da península de Muxía que “homens e mulheres de sal e ferro” fazem da apanha das percebes o seu ganha pão, pondo a vida em jogo para colher estas iguarias, preciosas “pedras de toque” em qualquer mesa de apreciadores de marisco. Por isso é vê-los, quando o mar o permite, subindo e descendo as falésias mais íngremes e resvaladiças ou, já na linha da maré, olhando de frente o mar alteroso ou fugindo do estrondo violento das ondas de encontro às rochas, por vezes amarrados por cordas para não serem levados pela rebentação. São pessoas de uma coragem sem limites, que conhecem e respeitam o mar como ninguém e que arriscam diariamente a vida para trazerem às nossas mesas os tão cobiçados frutos do mar.

Depois de ter participado na 4ª edição do Festival iNstantes, em 2017, com a exposição “A Minha Terra”, Xesús Búa regressa aos temas que lhe são mais queridos, voltando de novo a olhar o mundo que se abre à sua volta em quotidianos de trabalho hercúleo e de enorme dureza. Nascido em Muxía, em 1961, o artista chama para primeiro plano os percebeiros que tão bem conhece, mostrando-os em coragem e valentia, denodo e resistência. Aproximando deles a sua objectiva, Xesús Búa estabelece um diálogo íntimo e sensível com os retratados, uma espécie de conversa que apresenta estes heróis do quotidiano em toda a sua humanidade. Olhando estas imagens, percebemos o quanto de instinto e adrenalina pode abrigar cada percebe que levamos à boca, sentindo nesse momento de apaziguamento que o sentar à mesa proporciona, o sangue, o suor e as lágrimas do percebeiro. Mas há ainda uma outra camada nesta série de imagens que agora nos são dadas a ver e que tem como cerne a figura da mulher num meio naturalmente descomedido, impetuoso e feroz. As ondas não distinguem géneros quando se trata de arrebatar um corpo, pelo que o fotógrafo também faz questão de tratar homens e mulheres por igual. Aqui, ele mostra-as com o mesmo desvelo, num universo onde os homens estão em maioria.

Ancorada no foto-jornalismo, a exposição de Xesús Búa contempla um conjunto de imagens realizadas ao longo dos últimos nove anos, maioritariamente num preto e branco depurado, plenas de intencionalidade e fortemente expressivas. Para alcançar os resultados esperados, o artista prefere as lentes curtas à tele-objectiva, ganhando proximidade em relação ao objecto e, de alguma forma, ampliando a cumplicidade e a solidariedade com as figuras retratadas. Para além da dimensão humana de “Homens e Mulheres de Sal e Ferro”, a mostra fala-nos de uma actividade em vias de extinção, de tal forma as alterações climáticas têm tido um impacto negativo ao nível das condições do mar mas, sobretudo, da conservação da própria espécie. Ainda que o papel dos percebeiros possa ser de extrema importância em matéria de sustentabilidade do ecossistema marinho da Galiza, as adversidades começam a ser de tal monta que a fonte de sustento de muitas famílias parece ameaçada no curto prazo. Entretanto, temos as fotografias de Xesús Búa como fonte de inspiração para quem insiste em fazer das fraquezas forças. Atentemos nelas e escutemos o ruído do vento e das ondas, sorvamos o ar carregado de iodo, sigamos o olhar emocionado e orgulhoso dos percebeiros e saibamos ler nos seus lábios um desejo e uma oração.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Inspirações"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Inspirações”,
de Sherry Akrami
iNstantes 2024 – Festival Internacional de Fotografia de Avintes
Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Avintes
10 Mai > 26 Mai 2024


Um olhar sobre as propostas da 11ª edição do iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes, leva-me a eleger “Inspirações”, da fotógrafa iraniana Sherry Akrami, como uma das mais cativantes e originais do certame. Aliando a imaginação desbordante a uma enorme fantasia e criatividade, Akrami prova que não há limites para a sua arte de contar histórias. Num preto e branco saturado, a artista mostra-se exímia nessa espécie de combinação entre a Fotografia e a Animação, oferecendo-nos imagens surreais e oníricas capazes de transmitir uma vasta gama de sentimentos e emoções, pensamentos, crenças e ideias. Irresistíveis, as fotografias que compõem a mostra oferecem-se em complexidade e beleza, pedindo que as olhemos sem pressas. Nelas vamos encontrar engenhosas construções imagéticas a partir de fragmentos variados, que desafiam a perspicácia de quem as vê na busca do que é real, enquanto parte de uma captura no terreno, e aquilo que é trabalho de composição gráfica.

De origem iraniana, Sherry Akrami passou cinco anos da sua infância em Madrid, começando a interessar-se pelas artes numa escola primária da capital espanhola. Aí foi percebendo que os livros ilustrados e as histórias literárias que lhe eram dadas a ler eram muito diferentes das que conhecia nas escolas do Irão, mais orientadas para a fantasia, ao contrário do realismo de que se revestiam as histórias no seu país natal. Começava assim o seu amor pelo mundo da fantasia, o qual acabaria por se ir consolidando aos poucos e por determinar as opções de vida da artista. Bacharel em Fotografia e mestre em Animação, ambos pela Universidade de Arte de Teerão, Sherry Akrami trabalhou em animação 2D e 3D, em séries de TV e curtas-metragens, após ter terminado os seus estudos universitários. Ao mesmo tempo manteve-se activamente envolvida com a fotografia e desenvolveu aptidões técnicas na área da fotomontagem. Daí que se compreenda que todas as suas imagens são criadas com recurso à câmara escura digital dos dias de hoje, o Photoshop.

O rigor colocado na tentativa de contar uma história é evidente em cada uma das suas imagens. Há uma relação de proximidade muito forte com os assuntos abordados pela artista, patente numa criteriosa escolha de elementos, geralmente extraídos de ambientes naturais. É interessante notar que estes ambientes não existem tal como os vemos, antes servem de ponto de partida de um conjunto de trabalhos que englobam, na maior parte dos casos, muito mais do que apenas uma ou duas fotografias. O trabalho é processado em monocromático, com particular enfoque no contraste e na iluminação, de forma a realçar os elementos fantásticos das composições. Os céus carregados de nuvens, as raízes que se erguem da carapaça de uma tartaruga, o jardim florido que constitui o corpo de um pássaro, as máscaras esculpidas nas rochas de um desfiladeiro ou uma lua cheia pousada nos ramos despidos de uma árvore, falam-nos de um mundo habitado por seres simbióticos na sua essência, harmoniosos na relação que estabelecem entre si, cúmplices e felizes. Vale muito a pena ver!

sexta-feira, 12 de maio de 2023

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Céu de Urucum"


[Clicar na imagem para ver mais fotos]

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Céu de Urucum”,
de Mari Gemma
iNstantes - Festival Internacional de Fotografia de Avintes
Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Avintes
28 Abr > 31 Mai 2023

u·ru·cum
(tupi uru'ku)
nome masculino
1. [Botânica]  Árvore (Bixa orellana) da família das bixáceas, encontrada na América tropical, cuja semente é revestida de uma polpa avermelhada. = URUCUEIRO, URURU
2. [Botânica]  Fruto dessa árvore.
3. [Botânica]  Substância que reveste as sementes desse fruto, usada no fabrico de corantes amarelos e vermelhos.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa | https://dicionario.priberam.org/urucum

“Céu de Urucum”, da artista visual e fotógrafa brasileira Mari Gemma, é uma das mais interessantes propostas da edição deste ano do iNstantes - Festival Internacional de Fotografia de Avintes. Uma pérola, atrevo-me a dizer, atendendo à sua componente estética e ao forte simbolismo de que se reveste. Mas, também, uma lágrima, já que é da destruição do planeta e da sua própria extinção que nos fala. No dia 10 de Agosto de 2019, a Amazónia, o Pantanal e o Cerrado, biomas presentes no Estado de Mato Grosso, foram alvo de um atentado ambiental devastador, as chamas ateadas intencionalmente por produtores rurais. Na sua quase totalidade, os autores dos crimes permanecem impunes e a inacção da justiça levou a que o “Dia do Fogo” se venham repetindo, reduzindo a biodiversidade de forma alarmante em nome de uma gestão ambiental que privilegia o agronegócio e a mineração, em detrimento da sustentabilidade e da justiça socioambiental, tão necessárias ao Brasil e ao mundo. A dor e a impotência perante tamanha destruição levaram a artista a realizar uma vídeoperformance intitulada “O Futuro é um Buraco no Muro” e a traçar um esboço de um projecto que, todavia, permanece em desenvolvimento.

Na apresentação deste seu trabalho, Mari Gemma narra algumas impressões desses dias tenebrosos, a cidade de Cuiabá onde vive há mais de 30 anos cercada pelo fogo, o ar irrespirável. “Uma ideia de extinção pegando fogo, que, em 2021, ainda continua a anunciar o funeral da nossa diversidade, resultante desta modernidade desenvolvimentista da qual somos vítimas e algozes”, diz. A artista conta que “[o] meu corpo com medo doía frente a morte do corpo floresta. Então, durante o período das queimadas, fui ao Cerrado entre Cuiabá e Chapada dos Guimarães, no trajecto por onde a Expedição Langsdorf (1827) registou a biodiversidade e a geografia local. Hercules Florence, integrante desta e inventor da fotografia, registou a natureza íntegra e exuberante, através de seus manuscritos, desenhos e aquarelas. Após quase duzentos anos, percorrendo o mesmo caminho, registei as intervenções na natureza e os autorretratos e vídeos das performances, realizadas em agosto e setembro de cada ano, considerados os meses de maior número de incêndios florestais no Estado do Mato Grosso. O resultado pode ser visto num conjunto de imagens cuidadosamente encenadas, reforçando a ideia de palco onde o homem exibe a sua própria morte, tendo por espectador o diabo em pessoa.

Não há muito tempo, escutei a história de uma belíssima floresta que começou a arder. Assustados, os animais corriam em desespero, procurando escapar ao fogo que, consumindo a floresta, punha em risco as suas próprias vidas. Um pequeno animal, porém, decidiu fazer exactamente o contrário de todos os outros. Um pequeno animal, diga-se, um passarinho, que corajosamente pegou uma gota de água com o bico e lançava-a às chamas tentando impedir o seu avanço. Ao vê-lo, os outros animais gritavam, dizendo-lhe que era impossível vencer o fogo assim sozinho. O passarinho, porém, respondia-lhes: “Faço o que posso”. Lembrei-me desta história ao ouvir as palavras de Jair Bolsonaro, que Mari Gemma insere num outro vídeo que é parte deste projecto e que se intitula (In)Flama o Coração da América do Sul. Nele, o ex-presidente afirma: “[O Brasil] é o país que mais preserva o meio ambiente e alguns não entendem como, né?”. Mari Gemma, a sua sensibilidade, a sua revolta, a sua coragem em denunciar “esse modelo vigente e imposto que nos oprime”, é uma voz que não se cala. É esse passarinho que, contra o gigante negro que se levanta, luta conforme pode. Luta com o que tem.