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sexta-feira, 17 de maio de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Homens e Mulheres de Sal e Ferro"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Homens e Mulheres de Sal e Ferro”,
de Xesús Búa
iNstantes 2024 – Festival Internacional de Fotografia de Avintes
Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Avintes
10 Mai > 26 Mai 2024


O nome científico é Pollicipes pollicipes e são uma espécie de crustáceos conhecidos pelo nome comum de percebes ou perceves. Podem encontrar-se um pouco por todo o litoral de Portugal e Espanha, mas é no noroeste peninsular e, muito em particular, no dorso das rochas da Costa da Morte, na Galiza, que encontram as condições ideais para o seu crescimento. Por esse motivo, é também aí que se concentram os mais intrépidos e arrojados percebeiros do mundo. Com efeito, é no extremo norte da península de Muxía que “homens e mulheres de sal e ferro” fazem da apanha das percebes o seu ganha pão, pondo a vida em jogo para colher estas iguarias, preciosas “pedras de toque” em qualquer mesa de apreciadores de marisco. Por isso é vê-los, quando o mar o permite, subindo e descendo as falésias mais íngremes e resvaladiças ou, já na linha da maré, olhando de frente o mar alteroso ou fugindo do estrondo violento das ondas de encontro às rochas, por vezes amarrados por cordas para não serem levados pela rebentação. São pessoas de uma coragem sem limites, que conhecem e respeitam o mar como ninguém e que arriscam diariamente a vida para trazerem às nossas mesas os tão cobiçados frutos do mar.

Depois de ter participado na 4ª edição do Festival iNstantes, em 2017, com a exposição “A Minha Terra”, Xesús Búa regressa aos temas que lhe são mais queridos, voltando de novo a olhar o mundo que se abre à sua volta em quotidianos de trabalho hercúleo e de enorme dureza. Nascido em Muxía, em 1961, o artista chama para primeiro plano os percebeiros que tão bem conhece, mostrando-os em coragem e valentia, denodo e resistência. Aproximando deles a sua objectiva, Xesús Búa estabelece um diálogo íntimo e sensível com os retratados, uma espécie de conversa que apresenta estes heróis do quotidiano em toda a sua humanidade. Olhando estas imagens, percebemos o quanto de instinto e adrenalina pode abrigar cada percebe que levamos à boca, sentindo nesse momento de apaziguamento que o sentar à mesa proporciona, o sangue, o suor e as lágrimas do percebeiro. Mas há ainda uma outra camada nesta série de imagens que agora nos são dadas a ver e que tem como cerne a figura da mulher num meio naturalmente descomedido, impetuoso e feroz. As ondas não distinguem géneros quando se trata de arrebatar um corpo, pelo que o fotógrafo também faz questão de tratar homens e mulheres por igual. Aqui, ele mostra-as com o mesmo desvelo, num universo onde os homens estão em maioria.

Ancorada no foto-jornalismo, a exposição de Xesús Búa contempla um conjunto de imagens realizadas ao longo dos últimos nove anos, maioritariamente num preto e branco depurado, plenas de intencionalidade e fortemente expressivas. Para alcançar os resultados esperados, o artista prefere as lentes curtas à tele-objectiva, ganhando proximidade em relação ao objecto e, de alguma forma, ampliando a cumplicidade e a solidariedade com as figuras retratadas. Para além da dimensão humana de “Homens e Mulheres de Sal e Ferro”, a mostra fala-nos de uma actividade em vias de extinção, de tal forma as alterações climáticas têm tido um impacto negativo ao nível das condições do mar mas, sobretudo, da conservação da própria espécie. Ainda que o papel dos percebeiros possa ser de extrema importância em matéria de sustentabilidade do ecossistema marinho da Galiza, as adversidades começam a ser de tal monta que a fonte de sustento de muitas famílias parece ameaçada no curto prazo. Entretanto, temos as fotografias de Xesús Búa como fonte de inspiração para quem insiste em fazer das fraquezas forças. Atentemos nelas e escutemos o ruído do vento e das ondas, sorvamos o ar carregado de iodo, sigamos o olhar emocionado e orgulhoso dos percebeiros e saibamos ler nos seus lábios um desejo e uma oração.

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