EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Céu de Urucum”,
de Mari Gemma
iNstantes - Festival Internacional de Fotografia de Avintes
Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Avintes
28 Abr > 31 Mai 2023
u·ru·cum
(tupi uru'ku)
nome masculino
1. [Botânica] Árvore (Bixa orellana) da família das bixáceas, encontrada na América tropical, cuja semente é revestida de uma polpa avermelhada. = URUCUEIRO, URURU
2. [Botânica] Fruto dessa árvore.
3. [Botânica] Substância que reveste as sementes desse fruto, usada no fabrico de corantes amarelos e vermelhos.
in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa | https://dicionario.priberam.org/urucum
“Céu de Urucum”, da artista visual e fotógrafa brasileira Mari Gemma, é uma das mais interessantes propostas da edição deste ano do iNstantes - Festival Internacional de Fotografia de Avintes. Uma pérola, atrevo-me a dizer, atendendo à sua componente estética e ao forte simbolismo de que se reveste. Mas, também, uma lágrima, já que é da destruição do planeta e da sua própria extinção que nos fala. No dia 10 de Agosto de 2019, a Amazónia, o Pantanal e o Cerrado, biomas presentes no Estado de Mato Grosso, foram alvo de um atentado ambiental devastador, as chamas ateadas intencionalmente por produtores rurais. Na sua quase totalidade, os autores dos crimes permanecem impunes e a inacção da justiça levou a que o “Dia do Fogo” se venham repetindo, reduzindo a biodiversidade de forma alarmante em nome de uma gestão ambiental que privilegia o agronegócio e a mineração, em detrimento da sustentabilidade e da justiça socioambiental, tão necessárias ao Brasil e ao mundo. A dor e a impotência perante tamanha destruição levaram a artista a realizar uma vídeoperformance intitulada “O Futuro é um Buraco no Muro” e a traçar um esboço de um projecto que, todavia, permanece em desenvolvimento.
Na apresentação deste seu trabalho, Mari Gemma narra algumas impressões desses dias tenebrosos, a cidade de Cuiabá onde vive há mais de 30 anos cercada pelo fogo, o ar irrespirável. “Uma ideia de extinção pegando fogo, que, em 2021, ainda continua a anunciar o funeral da nossa diversidade, resultante desta modernidade desenvolvimentista da qual somos vítimas e algozes”, diz. A artista conta que “[o] meu corpo com medo doía frente a morte do corpo floresta. Então, durante o período das queimadas, fui ao Cerrado entre Cuiabá e Chapada dos Guimarães, no trajecto por onde a Expedição Langsdorf (1827) registou a biodiversidade e a geografia local. Hercules Florence, integrante desta e inventor da fotografia, registou a natureza íntegra e exuberante, através de seus manuscritos, desenhos e aquarelas. Após quase duzentos anos, percorrendo o mesmo caminho, registei as intervenções na natureza e os autorretratos e vídeos das performances, realizadas em agosto e setembro de cada ano, considerados os meses de maior número de incêndios florestais no Estado do Mato Grosso”. O resultado pode ser visto num conjunto de imagens cuidadosamente encenadas, reforçando a ideia de palco onde o homem exibe a sua própria morte, tendo por espectador o diabo em pessoa.
Não há muito tempo, escutei a história de uma belíssima floresta que começou a arder. Assustados, os animais corriam em desespero, procurando escapar ao fogo que, consumindo a floresta, punha em risco as suas próprias vidas. Um pequeno animal, porém, decidiu fazer exactamente o contrário de todos os outros. Um pequeno animal, diga-se, um passarinho, que corajosamente pegou uma gota de água com o bico e lançava-a às chamas tentando impedir o seu avanço. Ao vê-lo, os outros animais gritavam, dizendo-lhe que era impossível vencer o fogo assim sozinho. O passarinho, porém, respondia-lhes: “Faço o que posso”. Lembrei-me desta história ao ouvir as palavras de Jair Bolsonaro, que Mari Gemma insere num outro vídeo que é parte deste projecto e que se intitula “(In)Flama o Coração da América do Sul”. Nele, o ex-presidente afirma: “[O Brasil] é o país que mais preserva o meio ambiente e alguns não entendem como, né?”. Mari Gemma, a sua sensibilidade, a sua revolta, a sua coragem em denunciar “esse modelo vigente e imposto que nos oprime”, é uma voz que não se cala. É esse passarinho que, contra o gigante negro que se levanta, luta conforme pode. Luta com o que tem.
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