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sábado, 14 de dezembro de 2024

EXPOSIÇÃO: "Ⓐmo-te" | Francisco Tropa



EXPOSIÇÃO: Ⓐmo-te,
de Francisco Tropa
Curadoria | Ricardo Nicolau
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
08 Nov 2024 > 11 Mai 2025


“Ⓐmo-te” é a maior exposição monográfica de Francisco Tropa (Lisboa, 1968) alguma vez apresentada. Autor de uma obra complexa, que combina de forma surpreendente um amplo leque de meios (escultura, desenho, performance, gravura, fotografia e filme) e referências (em que se destacam figuras dos mundos antigo e moderno, oriundas da arte, da ciência e da literatura), o artista construiu nos últimos trinta anos um universo muito próprio em que se evidenciam uma série de reflexões alimentadas por diferentes tradições da escultura, da literatura e da mitologia. Estas reflexões centram-se frequentemente em questões metafísicas e temas antropológicos e filosóficos, nomeadamente sobre a natureza, a origem e a finalidade da arte e do acto criativo. Apesar de se organizar em torno de projectos do artista realizados em cada década do seu percurso, entendidos como momentos fundamentais da sua prática, a exposição deve ser entendida como uma espécie de grande máquina, na qual ao longo do percurso o visitante é sistematicamente confrontado com algumas das preocupações fundamentais do artista, nomeadamente a forma como as obras de arte são legitimadas, percepcionadas, analisadas e transmitidas.

Dividida em três grandes núcleos - os “protótipos” maioritariamente produzidos nos anos 1990 e início dos anos 2000, apresentados no mezanino da Biblioteca de Serralves, “A Assembleia de Euclides”, que manteve o artista ocupado durante grande parte dos anos 2000 e “O Enigma de RM”, o seu trabalho mais recente - a exposição apela a que nos interroguemos sobre as noções de originalidade e de criatividade. Francisco Tropa assume que, ao invés de procurar o novo, prefere tirar partido da repetição e da reutilização de elementos de obras antigas. Para o artista, é mais interessante acrescentar informação a um objecto, motivo ou referência com que trabalhe recorrentemente – “só invento algo novo se não puder usar alguma coisa com que já tenha trabalhado; repetir objectos em situações diferentes enriquece-os” –, e explorar associações catalisadas por contextos de apresentação passados. Ao mesmo tempo, a pluralidade de referências garante que cada trabalho seja sempre polifónico, que diga simultaneamente várias coisas diferentes.

Intencional e paradoxalmente, esta multiplicidade de possíveis interpretações – este “ruído controlado”, como lhe chama Tropa –, pode conduzir a uma incapacidade de esgotar a “leitura” da obra, a uma interpretação assente nas menções mais ou menos inesgotáveis, mais ou menos explícitas, mais ou menos eruditas que arrola e/ou convoca. O objectivo: fazer com que reste ao visitante “simplesmente” ver. “Ⓐmo-te”, além de uma máquina potenciadora de ecos, reenvios, ressonâncias e reverberações, é uma mostra que interroga e explora o próprio formato-exposição: porque apresenta projectos que são autênticas exposições dentro da exposição; porque enfatiza a importância dos contextos em que os objectos são apresentados para uma determinada leitura; porque, a começar pelo título, posiciona o visitante no centro de uma experiência da qual é o verdadeiro protagonista. Um adequado complemento à declaração que dá nome à exposição pode bem ser uma frase normalmente associada a amores desesperados, mas que, neste contexto, elucida exemplarmente o papel principal conferido ao espectador: “Sem ti, eu não existo!”

[Baseado no texto da exposição, o qual pode ser lido em https://www.serralves.pt/ciclo-serralves/0811-francisco-tropa-mo-te/]

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Walking Thru the Sleepy City" | Miguel Marquês



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Walking Thru the Sleepy City”,
de Miguel Marquês
Curadoria | Ricardo Nicolau
Novo Banco Revelação 2024
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
19 Jul 2024 > 19 Jan 2025


“Valentin Prepelita despediu-se de mim numa manhã de inverno soalheira. Tínhamos bebido uns copos de vinho e fumado uns cigarros antes da partida. Estava contente por ouvir de novo vozes moldavas a arrumar malas na bagageira do autocarro e por sentir que em poucos dias voltaria a comer mămăligă e borsch. Dei-lhe o dinheiro do bilhete e umas máquinas fotográficas descartáveis para fotografar a viagem. Abraçou-me com uma lágrima no olho, sorriu e agradeceu o gesto. Disse-me que quando chegasse a casa do seu amigo dentista enviaria umas garrafas de vinho de Cricova e as máquinas por revelar. Os meses passaram e não voltei a ter notícias do Valentin. Decidi fazer a mesma viagem de autocarro e procurá-lo por Chișinău. Será isto sobre a busca do paradeiro do Valentim? Sobre a forma como lido com um território que me é estranho, que me encandeia os olhos com uma luz nova, numa pulsão que se esbate com o passar dos dias tornando-se familiar?”

Uma parte considerável da arte actual confere à deslocação, ao nomadismo, um papel fundamental na prática artística – basta pensar que a história da arte é pródiga na figura, essencial, do “homem que caminha”. Muitos são aqueles que instauram a arte como um universo onde a deslocação é mais do que um movimento físico, onde é igualmente um facto psicológico ou mesmo outro nome para a produção artística. É neste universo que se insere Miguel Marquês, cujo trabalho o aproxima da chamada “fotografia de rua”. Sabe-se, porém, que é cada vez mais difícil fotografar na rua, por um lado porque a relação das pessoas com o meio mudou drasticamente (hoje, todos se consideram fotógrafos), mas também porque as próprias ruas (e a forma como se usa e entende o espaço público) se alteraram. Talvez por isso Miguel Marquês tenha tentado, conscientemente ou não, recuperar uma forma de relacionamento da fotografia com o espaço público que já não é possível praticar na capital portuguesa e viajado até Chișinău, a capital da Moldávia, numa deslocação temporal, mais do que geográfica. Através das suas imagens, viajemos com ele.

Não espere o visitante encontrar semelhanças evidentes entre as fotografias que Miguel Marquês realizou em Chișinău e as imagens que possivelmente entendemos como exemplos paradigmáticos da fotografia de rua. Para começar, as fotografias mais icónicas ou representativas daquela prática são imagens a preto e branco, enquanto Marquês faz um uso muito particular da cor; depois, a imprevisibilidade da rua – de que os fotógrafos que nos vêm imediatamente à cabeça quando pensamos em fotógrafos de rua tiravam partido apresentando situações pícaras e surpreendentes, ou personagens que espoletavam uma narrativa – é apresentada por Marquês através de pequenos nadas, praticamente insignificantes (um desenho encontrado no asfalto, uma imagem à janela, objectos dispostos no chão como se de um pequeno altar se tratasse…); também não vemos muitas pessoas nas fotografias de Chișinău – como se a sucessão de locais mais ou menos desolados onde pouco ou nada se passa equivalesse ao tal “espoletar de narrativas através de personagens”, neste caso uma espécie de inquietantes cenários de crimes por acontecer (muito adequados à trama detectivesca que primeiro impulsionou esta viagem à Moldávia).

Aquilo que o fotógrafo decidiu registar em Chișinău é tão importante quanto a forma como o faz: a distância em relação àquilo que fotografa (que quase nunca é a “certa” para ver com clareza), o particular uso da cor (em que os poucos contrastes também não parecem contribuir para nitidez) e a importância do fora-de-campo são elementos fundamentais para avaliar a singularidade da prática de Miguel Marquês. Traços comuns neste seu trabalho são a presença do chão (e de objetos nele encontrados), a recorrência de escadas e de árvores, o pudor em fotografar pessoas que leva Marquês a apresentar-nos as suas costas e, claro está, a quantidade de cães… Os canídeos, a quem são simultaneamente atribuídas capacidades proféticas, habilidades sobrenaturais e sinais de baixeza e marginalidade – a conhecida expressão “ficarão de fora [da cidade celestial] os cães” escrita em Apocalipse 22, estará relacionada com a imoralidade e referir-se-á a pessoas levianas que têm prazer na destruição, na corrupção e na violência –, aparecem aqui sempre sozinhos (quando seria natural que se juntassem em matilhas), como que reclamando que os sigamos. E é tentador… 

[Texto adaptado do Roteiro da Exposição, o qual pode ser lido na íntegra em https://cdn.bndlyr.com/nsa343pdfl/_assets/2407_novobancorevelacao_roteiro_site.pdf]

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

EXPOSIÇÃO: "Anagramas Improváveis. Obras da Coleção de Serralves"



EXPOSIÇÃO: “Anagramas Improváveis. Obras da Coleção de Serralves”
Vários Artistas
Curadoria | Marta Almeida, Isabel Braga, Inês Grosso, Ricardo Nicolau, Joana Valsassina e Philippe Vergne
Museu de Serralves - Ala Álvaro Siza
24 Fev > 13 Out 2024


“Anagramas Improváveis. Obras da Coleção de Serralves” é a primeira exposição a ser apresentada na recém-inaugurada extensão do Museu, a Ala Álvaro Siza, dedicada a acolher no futuro todas as mostras da coleção, ou dedicadas à arquitetura e aos vários arquivos depositados na Fundação de Serralves. Embora concebido pelo arquiteto que desenhou o Museu de Serralves inaugurado há 25 anos, este novo edifício propõe uma experiência de circulação muito diferente, apostando numa sucessão de galerias de exposição de escala relativamente modesta que libertam o visitante de qualquer percurso pré-definido e contemplam a possibilidade de visionar em simultâneo o conteúdo de diferentes salas. Por seu lado, a equipa curatorial da presente exposição soube explorar as características físicas do edifício, tirando o maior partido da sua fluidez, simultaneidade e vaivéns conceptuais, valores do traço de Siza. O resultado é uma exposição que aposta nas relações inéditas e intrigantes entre obras de artistas de diferentes gerações e nacionalidades, desafiando, também ela, quaisquer percursos ou ideias pré-definidas sobre a Colecção de Serralves.

A partir da figura do anagrama, a exposição contém em si mesma uma grande pluralidade de possibilidades de escrita e de leitura. Ao mesmo tempo, o seu título remete para uma das características principais da arte contemporânea portuguesa – a relação com a linguagem – e para um grupo de artistas (nomeadamente Ana Hatherly e E.M. de Melo e Castro) que tiveram, através da Poesia Experimental, um papel fundamental na eclosão e desenvolvimento da contemporaneidade artística portuguesa. “Anagramas Improváveis” contempla a ancoragem da Colecção de Serralves nestes movimentos artístico-literários dos anos 1960-70 – bem como na mítica exposição portuguesa “Alternativa Zero” (1977) e na exposição-manifesto que inaugurou o Museu de Serralves, “Circa 1968” (1999) –, mas olha para o passado com os olhos do presente, nomeadamente através de diálogos entre obras produzidas em tempos e geografias muito distantes.

Além de uma peça sonora de Luisa Cunha, encomendada especificamente para o novo edifício, a mostra reúne uma série de obras de artistas relativamente jovens (Martine Syms, Zanele Muholi, Arthur Jafa, Alexandre Estrela e Trisha Donnelly, entre outros), algumas adaptadas ao espaço com a cumplicidade dos seus autores, lado a lado com obras de artistas pertencentes a gerações mais antigas, ou considerados históricos, casos de Lourdes Castro, Julião Sarmento, Paula Rego e Ana Jotta, entre muitos outros. O objectivo? Duplo e só aparentemente contraditório: por um lado, avançar novas perspectivas sobre peças consideradas históricas, à luz de temáticas e preocupações patentes nas obras mais recentes; por outro, perceber como o convívio entre obras produzidas em períodos muito distintos pode sobrepor a uma certa “espuma dos dias” preocupações comuns mais estruturais. Se os anagramas dão frequentemente origem a jogos em que se tenta formar o maior número de palavras usando as letras disponíveis, “Anagramas Improváveis” é uma exposição que quer espoletar o maior número de sinapses usando as obras expostas.