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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

CONCERTO: “Entre Paredes” | Bernardo Moreira Sexteto & Orquestra de Jazz de Espinho


CONCERTO: “Entre Paredes”
Bernardo Moreira Sexteto & Orquestra de Jazz de Espinho
Com | Bernardo Moreira (contrabaixo), Tomás Marques (saxofone), Mário Delgado (guitarra), João Moreira (trompete), João Silva (bateria), Ricardo Dias (piano)
Artista convidada | Estela Alexandre (piano)
Orquestra de Jazz de Espinho
Direcção musical | Carlos Azevedo
Novembro Jazz 2025
Casa da Criatividade
01 Nov 2025 | sab | 21:30


Celebrar o centenário de Carlos Paredes é, inevitavelmente, revisitar uma das vozes mais singulares da música portuguesa. No concerto que marcou a abertura da sétima edição do Novembro Jazz 2025, na Casa da Criatividade, Bernardo Moreira retomou esse diálogo iniciado há mais de duas décadas, quando editou “Ao Paredes Confesso” (2002) e, mais tarde, “Entre Paredes” (2021). Desta vez, porém, a homenagem ganhou nova dimensão através da parceria com a Orquestra de Jazz de Espinho, sob a direcção de Carlos Azevedo. Os arranjos, assinados por jovens nomes como Estela Alexandre e Tomás Marques, e por figuras consagradas como Pedro Moreira e o próprio Azevedo, revelaram uma orquestra em pleno domínio expressivo, capaz de cruzar o rigor da escrita com o sopro da improvisação. Neste ambiente de silêncio e vertigem feito, a música de Carlos Paredes encontrou um corpo colectivo, forte e solidário, que teve no contrabaixo de Bernardo Moreira a sua âncora poética e um poderoso dínamo emocional.

Falar de Carlos Paredes é falar de liberdade — e foi precisamente essa ideia que atravessou todo o concerto. A guitarra portuguesa de doze cordas, reinventada por ele como voz e não mero acompanhamento, ressoou na linguagem do jazz como se ambos partilhassem um mesmo código genético: a improvisação como forma de pensar o mundo. Mesmo sem estar presente, o espírito de Paredes pareceu guiar os músicos nesse território de harmonia e risco, onde o jazz se afirma como espaço de encontro entre tradição e modernidade. As reinterpretações de “Mudar de Vida” e “Canto de Amor”, os dois temas que abriram o concerto, ou os icónicos “Verdes Anos” ou “António Marinheiro”, não buscaram a fidelidade literal, mas antes a reinvenção, o gesto de tocar de novo como se de uma primeira vez se tratasse, algo que, afinal, o próprio Paredes fazia. A Orquestra de Jazz de Espinho tornou-se, assim, extensão desse espírito improvisador, convertendo o fado em matéria orquestral e o jazz em língua franca da emoção e fascínio.

O resultado foi um concerto de densidade rara, em que o lirismo se aliou à experimentação sem perder o sentido de pertença. Mais do que um tributo, tratou-se de uma reflexão em forma de música sobre o que significa ser português e contemporâneo, à luz de um legado que não cessa de nos estimular e inspirar. Se Carlos Paredes procurava “a verdade no som”, Bernardo Moreira e a Orquestra de Jazz de Espinho mostraram que essa verdade permanece viva, transmutando-se, abrindo-se a novos timbres e a novas cores. Na noite do passado sábado, o público de São João da Madeira foi brindado com a possibilidade de sentir essa vibração suspensa no tempo, algures entre a memória e o instante, entre o rigor da escrita e a respiração da improvisação - notável o exercício intenso e livre de “Serenata no Tejo” que encerrou o concerto. No final, quedamo-nos com a certeza de que o jazz português não é um género em si mesmo ou uma categoria estilística, antes uma atitude estética e ética: a de quem, como Carlos Paredes, faz da liberdade uma forma de arte.

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