Páginas

terça-feira, 4 de novembro de 2025

CINEMA: "Bugonia" | Yorgos Lanthimos



CINEMA: “Bugonia”
Realização | Yorgos Lanthimos
Argumento | Will Tracy
Fotografia | Robbie Ryan
Montagem | Yorgos Mavropsaridis
Interpretação | Emma Stone, Jesse Plemons, Aidan Delbis, J. Carmen Galindez Barrera, Marc T. Lewis, Vanessa Eng, Cedric Dumornay, Alicia Silverstone, Stavros Halkias, Momma Cherri, Fredricka Whitfiled, Rafael Lopez Bravo, Yaisa, Teneisha Ellis, Atsushi Nishijima
Produção | Ari Aster, Ed Guiney, Lars Knudsen, Jerry Kyoungboum Ko, Yorgos Lanthimos, Miky Lee, Andrew Lowe, Emma Stone
Irlanda, Reino Unido, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos | 2025 | Comédia, Ficção Científica | 118 Minutos | Maiores de 16 anos
Vida Ovar Castello Lopes
03 Nov 2025 | seg | 19:05


Bugonia, o último delírio de Yorgos Lanthimos, transporta o espectador para um universo onde os excessos do digital e a crise ecológica se entrelaçam num retrato inquietante da humanidade contemporânea. Inspirado no filme “Save the Green Planet!”, do realizador sul-coreano Jang Joon-hwan (2003), Lanthimos reinterpreta uma história de paranóia individual, transformando-a numa alegoria sobre o colapso psicológico das nossas sociedades na era da informação. O cineasta grego, que já nos habituou a universos onde o humano se dissolve na estranheza, revisita agora uma fábula insana sobre um homem convencido de que os alienígenas dominam a Terra. Lanthimos e o argumentista Will Tracy transladam essa neurose para a era digital, em que já não tememos invasões extraterrestres, mas sim a invasão constante da informação. O delírio é tecnológico, o fanatismo nasce do excesso de dados e a loucura é apenas o outro nome da nossa hiperconectada solidão.

Naquela que é a sua quarta colaboração com o realizador, Emma Stone oferece-nos a interpretação mais fria e controlada da sua carreira. A actriz abandona a vulnerabilidade luminosa de “Pobres Criaturas” e encarna aqui uma precisão quase mecânica, questionando a própria humanidade por detrás de uma muito propalada e louvada eficiência. Simultaneamente cómico e perturbador, inocente e perigoso, Jesse Plemons é a encarnação perfeita do universo lanthimosiano. A sua expressão de fé paranóica conduz o espectador ao cerne do filme, o ponto onde a razão se desfaz em crença. Visualmente, o director de fotografia Robbie Ryan subverte a estética asséptica típica de Lanthimos e mergulha num realismo húmido, feito de tons terrosos, luz amarela e câmaras que roçam a pele dos personagens. Cada poro parece respirar o absurdo. É um mundo sujo, orgânico, que vibra entre a vida e a decomposição, um reflexo físico do viver e sentir nos dias de hoje.

Mais do que uma ficção sobre alienígenas, Bugonia é uma autópsia da humanidade. O filme desmonta o mito do conhecimento como salvação, demonstrando como mais pode ser menos: quanto mais sabemos, menos compreendemos. As conversas proliferam, mas ninguém ouve; a comunicação digital multiplica-se, mas o silêncio cresce. Lanthimos injecta nesse caos uma dimensão ecológica e filosófica - as abelhas em extinção, o colapso ambiental, a ciência convertida em indústria do veneno -, transformando a paranóia individual numa crítica global. O final, curiosamente, é marcado por uma espécie de ternura que se encontra arredada do resto do filme: uma pequena brecha de misericórdia, como se o cineasta oferecesse à natureza o direito de respirar, ainda que a humanidade esteja perdida. “Bugonia” é talvez o filme mais “acessível” de Lanthimos, mas não o mais simples. É uma meditação sombria sobre a era da informação, uma comédia cósmica que nos devolve um reflexo baço do que somos e nos pergunta, sem ironias: quem são, afinal, os verdadeiros alienígenas?

Sem comentários:

Enviar um comentário