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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

EXPOSIÇÃO DE PINTURA E DESENHO: “Francisco Relógio - Pinturas e Desenhos Inconjuntos 1955-1997”



EXPOSIÇÃO DE PINTURA E DESENHO: “Francisco Relógio - Pinturas e Desenhos Inconjuntos 1955-1997”,
de Francisco Relógio
Curadoria | Nuno Faria
Centro de Arte Oliva, São João da Madeira
24 Out 2025 > 11 Jan 2026


Natural de Vila Verde de Ficalho, no Alentejo, Francisco Relógio (1926–1997) construiu uma trajectória singular na arte portuguesa da segunda metade do século XX. Formado na Escola Industrial Fonseca Benevides, em Lisboa, foi um dos participantes nas primeiras Exposições de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1957 e 1961), revelando desde cedo uma voz própria. A sua obra inicial, de raiz neo-realista, afirmava um compromisso social e humano, mas Relógio rapidamente ultrapassou essa matriz, abrindo espaço a uma linguagem de maior liberdade formal. A figura humana — e em particular a mulher — assume um papel simbólico e poético, mais próximo da metáfora do que da descrição. O desenho, rigoroso e expressivo, torna-se o eixo da sua prática, estruturando composições que aliam densidade gráfica e lirismo visual. Esta evolução, entre o realismo e a geometrização, reflete a busca incessante de um equilíbrio entre o impulso figurativo e a experimentação plástica, definindo a autonomia estética que marca toda a sua carreira.

Relógio foi um artista em permanente reinvenção. Entre o abstraccionismo e a figuração, o realismo mágico e o fulgor Pop, soube integrar referências internacionais sem abdicar da sua identidade visual. O seu trabalho estendeu-se a múltiplas linguagens — pintura, desenho, cerâmica, cenografia e azulejaria — com intervenções emblemáticas em edifícios e espaços públicos. Ao invés de traduzir dispersão, essa pluralidade reflecte uma compreensão ampla da arte como território de encontro entre forma, matéria e vivência colectiva. Entre o rigor e o afecto, a sua obra manifesta uma rara coerência: nela a experimentação convive com a serenidade, e a cor, o traço e o espaço dialogam numa gramática visual de intensa humanidade. Profundamente ligado à cultura popular, Relógio valorizava o diálogo e o trabalho partilhado: o regresso a Vila Verde de Ficalho, onde fundou uma comunidade artística ainda activa, é demonstrativo da importância que atribuía à troca e à continuidade.

A exposição “Pinturas e Desenhos Inconjuntos”, apresentada em S. João da Madeira, depois de Serpa e Almada, procura oferecer um olhar abrangente sobre a vida e a obra de Francisco Relógio, reinscrevendo-o com clareza no panorama da arte portuguesa do século XX. Mais do que uma homenagem, esta mostra propõe um reencontro com um criador que soube conciliar o gesto intuitivo com a construção rigorosa, a dimensão simbólica com a presença do real. A parceria entre os municípios envolvidos traduz um compromisso de valorização do património artístico nacional e de difusão de uma obra que permanece actual pela sua coerência e diversidade. Ao revelar a consistência e a singularidade do seu percurso artístico, a exposição convida o público a revisitar um universo plástico de profunda sensibilidade e equilíbrio, onde a forma é sempre expressão de pensamento. Em Francisco Relógio, a arte surge como espaço de liberdade e de pertença — um território em que o humano se faz imagem e memória partilhada.

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