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sábado, 16 de dezembro de 2023

CONCERTO: Orquestra Clássica de Espinho convida Kandace Springs



CONCERTO: Orquestra Clássica de Espinho convida Kandace Springs
Direcção musical | Diogo Costa
Auditório de Espinho
15 Dez 2023 | sex | 21:30


Repetindo a receita de 2022, coube à Orquestra Clássica de Espinho fechar a programação anual do Auditório, convidando para o efeito a pianista e vocalista norte-americana Kandace Springs. Tributo a Billie Holliday, o concerto debruçou-se sobre o penúltimo registo discográfico de Lady Day, o icónico “Lady in Satin”, permitindo recordar temas tão marcantes como “I’m a Fool to Want You”, “I Get Along Without You Very Well”, “You’ve Changed” ou “Strange Fruit”. Mas antes de avançar com a visão de um momento pleno de significado, cabe-me reafirmar, no final de mais um ano, o meu apreço e gratidão ao Auditório de Espinho e aos responsáveis pela sua programação nas mais diversas áreas, com particular ênfase na música clássica e no jazz. A minha admiração não é de agora, mas consolida-se a cada ano, adivinhando-se uma enorme ginástica financeira e uma sábia gestão de recursos que encontram, na paixão que os responsáveis dedicam às artes e à música, o verdadeiro contraponto. É isto que permite, em tempos que não são de desafogo, oferecer nomes tão sonantes como os de Henri Texier, Django Bates, Dave Douglas, Joey Baron, Susana Baca, Louis Sclavis, Seun Kuti, Stanley Clarke, Michael Wollny, Wim Mertens, Hauschka ou John Scofield, sem esquecer os “nossos” Carlos Bica, Daniel Bernardes, Selma Uamusse, Tó Trips, João Barradas, João Paulo Esteves da Silva e A Garota Não, entre muitos outros. Absolutamente espantoso!

Emoções desencontradas. Talvez seja esta a forma mais adequada para definir o concerto da noite de ontem, pelo menos do meu ponto de vista. Foi já no “encore” que Kandace Springs, depois de muito instada pelo público, se sentou ao piano e, a solo, emprestou a sua voz a “Solitude”. O momento foi especialmente marcante, não apenas por ser este um dos mais belos temas da carreira de Billie Holliday e da própria história do Jazz, mas também porque a voz de Springs pôde ser escutada em toda a sua plenitude, numa preciosa combinação de elegância, graça, delicadeza, harmonia e ritmo. Secretamente, desejei que o concerto tivesse sido apenas de voz e piano, mas logo me arrependi, tão bons foram alguns momentos de que se revestiu, tão intensos e vivos. Se Kandace Springs é merecedora do maior aplauso - à voz cuidada somam-se a descontração em palco e o seu sentido de humor -, a secção rítmica, com Carlos Azevedo no piano, José Carlos Barbosa no contrabaixo e Gonçalo Ribeiro na bateria, não o é menos. Omnipresentes, Barbosa e Ribeiro mostraram-se ao mais alto nível no acompanhamento dos trabalhos, o seu sentido de oportunidade e do ritmo a serem uma constante. Já Carlos Azevedo foi igual a si próprio, os seus apontamentos a emprestarem ao concerto notas de sedução e brilhantismo que em muito o enriqueceram.

Dito isto, podemos concluir que o problema esteve na Orquestra? Diria que sim e que não. Recordando as intervenções plenas de intencionalidade e de virtuosismo de um Daniel Dias no trombone ou de um Nuno Magalhães no clarinete, de um Miguel Dantas na guitarra ou de Beatriz Alves, Catarina Gouveia, Luís Oliveira e Guilherme Oliveira nos coros, enfim, de Maria Eduarda Sousa na harpa, de Miguel Coelho nas percussões e de todos os restantes elementos da Orquestra, seria profundamente injusto dizer que foi ela “a má da fita”. Mas mais de sessenta músicos em palco, numa sala relativamente pequena, foi desafio com o qual a voz de Kandace Springs mal pôde ombrear, vendo-se frequentemente abafada pelos instrumentos. Não fossem os momentos mais suaves e íntimos que vestem os temas de “Lady in Satin” e teríamos o caldo completamente entornado (pense-se no voto de Boas Festas que foi, a encerrar o concerto, o “Adeste Fidelis”, e o modo como os quatro elementos do coro não conseguiram fazer-se ouvir, para se perceber onde quero chegar). Sei que o grande compromisso da Orquestra é com a Escola de Música e a todos é devida uma oportunidade mas… Com trinta músicos no primeiro dia e outros trinta no segundo, saíamos todos a ganhar. Mas isto sou eu a dizer, com a minha mania de esperar sempre o melhor de dois mundos.

[Foto: Auditório de Espinho - Academia | https://www.facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]

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