CINEMA: “Dias Perfeitos” / “Perfect Days”
Realização | Wim Wenders
Argumento | Takuma Takasaki, Wim Wenders
Fotografia | Franz Lustig
Montagem | Toni Froschhammer
Interpretação | Kôji Yakusho, Tokio Emoto, Arisa Nakano, Aio Yamada, Yumi Asô, Sayuri Ishikawa, Tomokazu Miura, Min Tanaka
Produção | Takuma Takasaki, Wim Wenders, Koji Yanai
Japão, Alemanha | 2023 | Drama | 123 Minutos | Maiores de 12 anos
Vida Ovar
17 Dez 2023 | dom | 12:45
Hirayama é um homem tranquilo que gosta de levar uma vida tranquila. Acorda serenamente todas as manhãs, rega as plantas, prepara-se para o trabalho, bebe o seu café favorito já no carro e faz-se à estrada. Trabalha como empregado de limpeza no Tokyo Toilet (uma série de casas de banho públicas com um design surpreendente, espalhadas pela cidade em zonas residenciais populosas e em parques públicos) e valoriza aquilo que faz acima do que seria expectável, encontrando nisso a paixão para se levantar da cama todas as manhãs e mostrar-se pronto e disponível para mais um dia de trabalho. Embora a sua atitude possa parecer bizarra - afinal, o que pode haver de entusiasmante em limpar casas de banho? -, a verdade é que Hirayama revela uma espantosa alegria de viver, o que o leva a valorizar cada momento e a encontrar motivos de interesse naquilo que, ao olhar mais comum, pareceria banal, quase desprezível. Com ele, a graça e a beleza emergem do que poderia ser um dia repleto de situações desagradáveis, vendo em cada momento uma oportunidade de prazer e enriquecimento pessoal.
Filmes como “Dias Perfeitos” são uma raridade. Em vez de enveredar por uma narrativa clara com reviravoltas dramáticas, Wim Wenders opta por um registo reservado e contemplativo, que convida o público a refletir e embarcar numa viagem comovente, seguindo um homem cujos dias, ainda que mundanos e comuns na aparência, se revestem de beleza e nos mostram o poder da resiliência humana e da vontade de viver. Apostando naquilo que pode parecer, à primeira vista, uma estrutura repetitiva - a narrativa demasiado minimalista a poder ser um factor de desmotivação de um público mais convencional -, o realizador vai conquistando a pouco e pouco o nosso interesse, tornando claro que limpar casas de banho, para além de ser a melhor forma de Hirayama ajudar os outros e de se sentir útil, é também a sua ponte para o mundo. Num dos momentos mais tocantes do filme, enquanto espera que uma casa de banho seja desocupada, Hirayama olha o céu e tudo em volta é silêncio. Apesar dos sons das crianças a brincar no parque infantil, da água a correr e da descarga da sanita, Hirayama escuta apenas o vento que brinca com as folhas das árvores e vê o seu efeito nas sombras projectadas numa parede, isolando-se de toda e qualquer distração para viver o momento na sua plenitude.
Ao mesmo tempo que evita os momentos dramáticos exagerados e desnecessários que este tipo de filme dispensa, Wenders introduz alguns elementos externos que colidem com o quotidiano da personagem. A sua rotina diária, que passa por jantar nos mesmos restaurantes, frequentar os mesmos banhos públicos, visitar a mesma livraria e ler antes de deitar, é perturbada pela entrada de alguns velhos e novos conhecidos, que são forçados ou escolhem acompanhar Hirayama nas suas tarefas diárias. São momentos que o obrigam a avaliar o seu impacto nos outros e a questionar se a sua zona de conforto é fruto das conveniências, do medo ou das convicções mais íntimas. A questão é pertinente a ponto de nos obrigar a olharmos para nós próprios. Enquanto cada uma destas personagens questiona diretamente o fascínio de Hirayama pelo seu trabalho e pela sua rotina diária, ele nunca responde nem justifica as suas acções. Cumpre ao espectador, neste fascinante estudo psicológico, tirar as suas próprias conclusões. E enquanto decidimos julgar ou apenas apreciar esta personagem única, Hirayama continua a desfrutar dos seus dias perfeitos: a ouvir cassetes antigas na sua carrinha, a cumprimentar as pessoas na rua, a viver a vida que escolheu.
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