EXPOSIÇÃO: “Teatro Anatómico”,
a partir da Coleção Treger Saint Silvestre
Curadoria | João Sousa Cardoso
Centro de Arte Oliva
04 Mar > 31 Dez 2023
Em depósito de longo prazo no Centro de Arte Oliva desde 2014, a Colecção de arte bruta / outsider “Treger Saint Silvestre” é uma das mais relevantes coleções a nível europeu. Constituída por, aproximadamente, mil e quinhentas obras de trezentos e cinquenta artistas, reflecte a evolução de diferentes momentos históricos e ramificações das artes marginais aos circuitos do sistema artístico estabelecido, desde os clássicos da Arte Bruta à Arte Outsider e suas variantes. A coleção distingue-se pela enorme amplitude cronológica, demarcada por artistas nascidos em finais do século XIX até autores ativos na atualidade, diferenciando-se também pela alargada representatividade geográfica, que abrange os tradicionais “centros da arte bruta” da Europa Ocidental e América do Norte, expandindo-se a artistas oriundos de África, Ásia, Europa e América Latina Central, com destaque para a diversidade de artistas portugueses e brasileiros.
Apresentada através de um programa contínuo de exposições temporárias, a Colecção Treger Saint Silvestre volta a ser alvo de uma revisitação, desta vez pelo olhar atento de João Sousa Cardoso. O mesmo rigor, conhecimento e sensibilidade artística que o levou a encenar “A Ronda da Noite” de Agustina Bessa-Luís, na Fundação Calouste Gulbenkian (2022) e “Sequências Narrativas Completas”, no Teatro Nacional D. Maria II (2019) ou a dirigir o “Teatro Expandido!” (2015) no Teatro Municipal do Porto, é posto agora ao serviço desta exposição, numa criação “site-specific” onde a dramatização dos corpos, dos objetos e das presenças, dialoga com a tradição do teatro. Ao visitante oferece-se um espaço extraordinariamente concebido, que convida à deambulação, à apreciação detalhada de cada uma das peças, à sua observação dos mais variados ângulos. Se o quisermos, à sua dissecção.
Inspirada no Teatro Anatómico de Pádua – o primeiro teatro anatómico permanente do mundo, inaugurado em 1595, exemplo do progresso científico no estudo da anatomia e modelo para os teatros anatómicos nas principais universidades da Europa –, que Goethe visitou e admirou na sua viagem a Itália, a mostra propõe a reflexão sobre uma colecção complexa, sinuosa e orgânica, desalinhada do campo da arte contemporânea, que tanto nos oferece um desenho de René Bértholo ou Alireza Maleki, como a fotografia de Albert Moser ou Tomasz Machcinsky, a pintura de Josef Wittlich, a escultura de Jean-Jules Chasse-Pôt ou a assemblagem de Marc Giai-Miniet, misturando-os com os trabalhos de três artistas convidados, André Sousa, Fernão Cruz e Horácio Frutuoso. Ao mesmo tempo, “Teatro Anatómico” convida a uma experiência local dos sentidos que implica os corpos e a materialidade das imagens, no tempo da economia virtual. E, num gesto político, a pensarmos a crueldade capaz de suspender os ciclos da barbárie.
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