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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

CONCERTO: Hélder Bruno Quinteto



CONCERTO: Hélder Bruno Quinteto
Centro de Artes de Ovar
20 Jan 2023 | sex | 21:30


Quando ao Hélder Bruno Quinteto se junta Maria João, o resultado só pode ser Jazz do melhor. Isto pensei eu, mas pensei mal. Quero com isto dizer que (já perceberam) nunca tinha ouvido falar de Hélder Bruno. Tão pouco fiz o “trabalho de casa”. Despreocupadamente, parti para uma noite de jazz tão do meu gosto e, coisa rara, tão à beirinha de casa. Praticamente esgotado, o Auditório agitava-se na promessa de um grande concerto. Mas foi quando os primeiros acordes surgiram do piano de Hélder Bruno que percebi que, afinal, os meus interesses e os do restante público não eram propriamente coincidentes. E mudar o chip? É o mudas. Dolentes, plenos de sedução, “Fairy Tale” e “Dança Comigo Uma Última Vez”, os dois temas que abriram o concerto, causaram em mim uma irritação inesperada em vez de um natural contentamento. Irritação que se prolongou em “Blossoming”, que o pianista interpretou juntamente com Maria Redes Martins, violoncelista e sua filha. Foi então que atentei nas palavras entretanto dirigidas ao público e decidi pôr a “neuroplasticidade” a funcionar e “deixar-me levar, sem preconceitos”.

Descodifiquemos: Hélder Bruno Quinteto é Hélder Bruno + Quinteto. Não é Jazz a sua música, como pude confirmar já com o “Blossom Ensemble” em palco, agrupamento formado por Maria Kagan e Francisca Pinto-Machado (violinos), Rogério Monteiro (viola d’arco), Feodor Kolpashnikov (violoncelo) e Miguel Falcão (contrabaixo). “Dinis” e “Island”, foram parte dessa “verdadeira viagem, libertadora dos sentidos, dos afectos e das emoções, da magia e do sonho, num conto em música”, como prometia o programa. Mas a viagem teimava em trazer pouco de novo, as águas do rio muito paradas, as árvores das margens sempre iguais, além uma garça que se alça no voo mas que logo desaparece. Tudo muda, porém, com a chegada do percussionista Quiné Teles ao palco. “Alentejo” traz ritmo e energia para o concerto, logo confirmado pelo lindíssimo “Door 17”. Mas é com Maria João que a viagem se torna vibrante e viva, sedutora e livre. “The Sailor, the Mermaid and the Sea”,”White Witch of the Seas” e, sobretudo, “Land, Red and Warm”, com letra da cantora, escrita na língua moçambicana changana, são momentos de qualidade ímpar, uma voz que se desdobra em tons e sons, a linguagem corporal a reforçar a mestria das composições e a beleza da sua interpretação.

Há neste concerto dois momentos distintos, assentes num antes e num depois de Quiné Teles e Maria João. É com eles em palco que reconheço nas composições de Hélder Bruno o seu grande valor, o seu enorme potencial. O grande mérito do compositor está em ter sabido encontrar na sua música espaço para a voz, esse instrumento por excelência. Abrem-se, então, as mais vastas clareiras, avivam-se as fogueiras, ninguém escapa à festa e à folia. Será justo alargar este abraço ao quinteto e a Quiné Teles, mas é Maria João que me prende e me liberta, me ergue no ar e me faz mergulhar no mais fundo de mim. A plasticidade da sua voz não se mede por escalas, antes pelas páginas do tempo, a guturalidade do homem primitivo enlaçada na limpidez das sonoridades do porvir. Escutá-la, já no “encore”, a interpretar “Mouraria”, um fado eternizado por Maria Teresa Noronha, é transcendental, a voz vestida de um lirismo a raiar o sublime. A finalizar o concerto, Hélder Bruno repetiu “Door 17” e encontrou-me apaziguado com a sua música e comigo mesmo. Aquilo da neuroplasticidade funcionou.


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