CINEMA: “Os Passageiros da Noite”
Realização | Mikhaël Hers
Argumento | Maud Ameline, Mariette Désert, Mikhaël Hers
Fotografia | Sébastien Buchmann
Montagem | Marion Monnier
Interpretação | Charlotte Gainsbourg, Quito Rayon Richter, Noée Abita, Megan Northam, Thibault Vinçon, Emmanuelle Béart, Laurent Poitrenaux, Didier Sandre, Lilith Grasmug, Calixte Broisin-Doutaz, Eric Feldman, Raphaël Thiéry, Zoé Bruneau, Mounir Margoum
Produção | Pierre Guyard
França | 2022 | Drama | 111 Minutos | Maiores de 14
Cinema Vida
22 Jan 2023 | dom | 18:15
Quando perguntam a Talulah, jovem de 18 anos sem paradeiro certo na imensa metrópole que é Paris, se costuma ir ao cinema, a resposta vem com um sim. “Especialmente quando faz frio”, acrescenta, a frase de repente suspensa, o olhar perdido na magia do cinema. Esta ligação profunda aos sentidos marca indelevelmente “Os Passageiros da Noite”, pequeno pedaço de bondade e ternura que vive da dor da perda e do calor dos afectos. Repartindo a acção por três momentos próximos entre si na década de oitenta do século passado, o realizador mergulha-nos numa Paris menos impessoal, mais humana, longe das multidões e dos clichés turísticos. No centro da acção uma mulher a atravessar o difícil momento da separação, os dois filhos adolescentes e esta rapariga, Talulah, resgatada por momentos à rua. A mesma rapariga que sabe entrar à socapa nas salas de cinema e que um dia fica fascinada com a poesia que há em “Noites de Lua Cheia”, de Éric Rohmer.
Filme dos sentidos, “Os Passageiros da Noite” é, também, um filme da rádio. Atravessa-o o programa homónimo da apresentadora Vanda Dorval, funcionando aqui como fio condutor nas linhas narrativas e nos tempos em que decorre a acção. Originalmente destinado a camionistas nas suas longas viagens nocturnas, o programa conecta as almas insones através das histórias que cada um tem para contar. Recém-separada do marido após a batalha contra um cancro da mama e uma traumática mastectomia, refém das suas memórias, Elizabeth é só mais uma dessas figuras que buscam conforto e apoio em Vanda e na partilha dos muitos relatos dos ouvintes. Tudo irá mudar no dia em que consegue emprego como telefonista do programa de rádio que tanto a atrai, sobretudo porque é lá que conhece Talulah e decide acolhe-la em sua casa. Às chegadas e partidas somam-se os encontros e despedidas, as vidas expostas aos caprichos do destino, obrigadas a ajustar-se ao espaço que lhes coube em sorte.
A nostalgia é sempre uma faca de dois gumes: De um lado a saudade de um tempo que não volta, do outro a aceitação de que o futuro é feito de lugares inalcançáveis. É ela que acaba por se impor no filme, a melancolia que invade os protagonistas quando se despedem dos lugares onde foram felizes a contaminar o espectador. O tom, porém, é tudo menos triste ou pessimista. Sente-se uma espécie de conforto na forma como reconhecemos a dor da despedida ou o impacto da separação e, com eles, a certeza de que haverá sempre um recomeço. Infinitamente complicada, a vida raramente se afigura mais fácil à medida que o tempo avança. Os erros estão lá à espera de voltarem a ser cometidos, as rupturas e perdas irão de novo acontecer. Num filme em que Charlotte Gainsbourg brilha ao mais alto nível, Mikhaël Hers revisita o espectro das emoções humanas de uma forma pungente e, tal como Éric Rohmer, deixa-nos com a certeza de que a esperança é a última coisa a morrer. Um filme que se espraia na verdade, intimista, muito simples e muito belo, que importa ver.
Sem comentários:
Enviar um comentário