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quarta-feira, 9 de novembro de 2022

CONCERTO: Amaro Freitas



CONCERTO: Amaro Freitas
Novembro em Jazz 2022
Casa da Criatividade
04 Nov 2022 | sex | 21:30


Grande música. Grandes músicos. Um enorme concerto. Foi assim na abertura da quarta edição do Novembro em Jazz, evento da responsabilidade da autarquia de S. João da Madeira e que, ano após ano (excepção feita a 2020, ano em que o certame não se realizou devido à pandemia), chama à Casa da Criatividade grandes nomes da cena jazzística, tanto nacional como internacional. Foi o caso do pianista Amaro Freitas que, na noite da passada sexta feira, brindou o público com quase duas horas de muito e bom Jazz. Acompanhado por Hugo Medeiros, na bateria, e por Jean Elton, no contrabaixo, o músico pernambucano centrou o concerto no seu mais recente álbum, “Sankofa”, preenchendo o restante alinhamento com temas de “Rasif” e “Sangue Negro”, os seus dois trabalhos iniciais. Mediante um Jazz elegante e composições engenhosas e plenas de originalidade, Amaro Freitas levou os presentes numa viagem ao coração da sua música, na qual o nordeste brasileiro e as esplanadas de Nova Orleães, o frevo e o free jazz, Edu Lobo e Chick Corea se misturam e confundem.

O arranque foi dado por “Vila Bela”, um refúgio de dolência, harmonia e profundidade, como um cântico de pássaros de formidáveis cores ou um fio de água que, sussurrante, desliza por sobre os seixos do rio. Seguiu-se “Cazumbá”, imperioso, sôfrego, urgente, vivo, transformando a nota de intimidade inicial, o mar revolto, as asas enfim soltas. Com “Ayeye”, Amaro Freitas deu mostras de uma sofisticação e virtuosismo insuperáveis, oferecendo uma peça que nos aproxima de Bill Evans, Aziza Mustafa Zadeh ou Brad Mehldau. Na linha do tema anterior, “Baquaqua” acentuou o tom de celebração e júbilo, os terreiros em festa, corpos suados, sorrisos abertos de felicidade e partilha. “Nascimento” foi uma jóia preciosa, apaziguadora e reconfortante, enquanto “Sankofa” trouxe a cereja ao topo do bolo, inquietante no seu minimalismo fortemente estruturado, refrescante na sua essência experimentalista, improviso à flor da pele, um clamor de pureza e liberdade.

Última etapa de uma tournée pela Europa que, no espaço de trinta e cinco dias, levou o trio a palcos tão importantes como Odense, Amesterdão, Gotemburgo, Dublin, Barcelona, Manchester, Skopje, Tessalónica ou Antuérpia, o concerto da Casa da Criatividade foi único. Na memória vão ficar a forma como Amaro Freitas faz da música um veículo privilegiado de empatia, diálogo e partilha com o público, como é capaz de reduzir a parte útil do piano a meia dúzia de teclas no canto mais à direita, num dedilhar frenético que deslumbra e hipnotiza. Sobretudo, ficará na memória esse momento em que o pianista “aprisiona” cinco cordas, transformando o reduzido naipe num instrumento de percussão que faz soar a espaços, enquanto a sua música flui vibrante, de forma natural, numa combinação de sons e tons reveladora duma enorme originalidade e genialidade. Criativo, inventivo, um pouco à semelhança de Hermeto Pascoal, Amaro Freitas faz da exploração dos sons um jogo e uma brincadeira. E assim, brincando, sabe ser feliz e trazer a felicidade àqueles que o escutam.

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