TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com Minês Castanheira
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Auditório Dr. Correia de Campos | Centro de Reabilitação do Norte
27 Abr 2022 | qua | 17:00
A celebrar o seu primeiro ano de existência, as Tertúlias Literárias “Conversas às 5” regressaram ao Auditório do Centro de Reabilitação do Norte para uma hora e meia de magia à roda dos livros e da leitura. Sessão tão especial exigia um convidado igualmente especial e Minês Castanheira soube honrar e engrandecer o momento, acrescentando-lhe uma coloquialidade rica e sedutora, a comunicação empática, a generosa partilha de histórias e memórias e a sua enorme paixão pela poesia. A admiração e cumplicidade geradas foram imediatas. Para os presentes, o momento foi de êxtase. Escapar a uma rotina que vive de e para a pessoa doente, e ter a possibilidade de, ainda que por um só instante, mergulhar no mundo mágico da literatura e caminhar de mãos dadas com a poesia de Capicua, a rebeldia de Calamity Jane ou a coragem das mulheres da Póvoa, foi precioso. Daí que todos tenham deixado o Auditório de coração cheio e, estendendo a vista até ao horizonte, apreciado o céu e o mar à sua frente como se da primeira vez se tratasse.
“Quando as pessoas se encontram e se juntam por causa dos livros já valeu a pena”. Estas palavras de Minês Castanheira marcaram de forma indelével uma conversa que decorreu sob o signo do intimismo e que veio provar o quanto de solidariedade e união pode haver entre os agentes da saúde e da cultura, aqueles que num momento de crise, por força da pandemia, “se chegaram à frente”. Como que a reforçar a ligação entre os dois blocos, Minês citou João Luís Barreto Guimarães, Susan Sontag e Cesário Verde, deste último recomendando vivamente a leitura do poema "Nós". Falando de si, a convidada recuou aos tempos da infância, a “uma casa coberta de livros”, à autorização para lhes mexer, admitindo ter sido “uma privilegiada”. Enquanto umas crianças querem ser polícias, outras bombeiros, outras astronautas, Minês soube, desde muito cedo, que quando crescesse iria trabalhar com livros, mesmo não sabendo que os viria a escrever, que os ajudaria a criar, que os transformaria em Instalações. “Não sabia o que iria fazer nem com quem, mas sabia que este era o meu destino”, disse.
Mais de três décadas depois, o destino cumpre-se a cada dia com um projecto que se chama Bairro dos Livros, onde se “faz e comunica Cultura desde 2011”. É lá que um grupo de “tresmalhados” vive em modo de inquietação, criando e produzindo eventos “fora da caixa”, desenhando e implementando iniciativas de comunicação cultural e fazendo livros singulares. É assim que persistem e já sobreviveram “a duas crises económicas, uma pandemia e uma guerra na Europa”. Instada a falar de um desses projectos, Minês Castanheira leva-nos numa viagem à Póvoa de Varzim e ao confronto entre a bravura dos pescadores poveiros com a sociedade matriarcal onde a pescadeira faz tudo, excepto ir ao mar. Dos primeiros canta-se a força e a coragem desde sempre, como se de Ulisses se tratasse. Das mulheres, porém, ninguém fala. Mas, como num poema de Capicua, importa haver alguém a clamar que “quando tudo é adverso, eu faço o inverso p'ra que equilibre.” Daí o projecto chamar-se “Penélopes”, consubstanciado numa instalação artística que resulta do diálogo entre a tradicional camisola poveira saída das mãos de doze artesãs, com a escrita de doze autoras, escritoras e poetas contemporâneas.
Falando de si e da sua ligação à escrita, Minês Castanheira vincou o enorme poder e influência que um adulto pode ter sobre uma criança e como foi importante, em termos de futuro, o elogio vindo de uma professora ao seu primeiro conto: “Fui à tabacaria, levei o meu mealheiro e disse que queria tirar xis fotocópias. Luxo total. Depois perguntei ao dono da mercearia, da farmácia, se podia colar na montra e ficava à espera que as pessoas lessem para lhes perguntar: Gostou?”. Falando do processo criativo, a escritora confessa não saber quando um livro está pronto, mas sabe dizer quando um poema está pronto. “Ando com um poema na cabeça muito tempo. É quase cinema, é como se as palavras viessem ter comigo e estivesse a tentar fazer com que se sucedam de forma lógica. Elas estão ali, meio desarrumadas, e eu ando, escrevo, reescrevo e depois, não sei como, olho e digo que é exactamente isto. Então sei que o poema está pronto.” Foi assim que nasceram os textos e que, agrupados, deram lugar a “Plasticidades” (2005), “Inter-Cidades” (2008) e “Nunca o Mar” (2012). É também assim que irá nascer, ainda este ano, “um livro pequenino, vinte e tal, trinta textos, dedicados à minha filha.” Um livro que, “se tudo correr bem”, será lançado em Setembro, na Feira do Livro do Porto.
A conversa caminha rapidamente para o final, mas ainda há tempo de olhar o momento actual. Citando Paulo Moura e o seu prefácio ao livro “Vozes de Chernobyl”, de Svetlana Alexievich, o moderador questionou a aparente mudança de paradigma ao vermos o escritor a assumir o papel que, por tradição, pertence ao jornalista. Furtando-se a eventuais polémicas, de forma assertiva, Minês Castanheira, frisou que a solução passa por “munir as pessoas de espírito crítico” e lembrou que “se as pessoas tivessem em conta que há jornalistas altamente especializados a ganhar quinhentos euros há vinte anos, talvez tivessem outra expectativa sobre o que estão a consumir.” Também se falou sobre Festivais Literários e a importância do trabalho que alguns deles desenvolvem junto das Escolas. E deixaram-se sugestões de leitura, da poesia infantil do Manuel António Pina aos poemas de Nuno Higino - “o Nuno Higino é fixe!” - e de Gabriela Gomes. Um poema não publicado fechou a sessão. Um poema que se baseia no testemunho que Calamity Jane deixou à sua filha, em forma de cartas. Um poema incrível, sublinhe-se, como incrível foi o tempo passado com Minês Castanheira no dia em que as Tertúlias sopraram uma vela. O dia foi de festa, cantaram as nossas almas.
[Foto gentilmente cedida por António Jamba]
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