Em 2016, Paulinho Moska conheceu Davi Lopes, um bombeiro com um “hobby” muito curioso: De cada incêndio que ajudava a apagar, recolhia algumas madeiras do lixo e com elas construía instrumentos musicais. Em 2018, foi ele um dos combatentes do terrível incêndio que destruiu o Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, onde mais de dez mil livros, sarcófagos, ossos de dinossauro, artefactos greco-romanos e milhares de outras peças desapareceram para sempre. Salvaram-se algumas madeiras, que o bombeiro-luthier transformou em violões, dois dos quais foram as estrelas de uma noite única na Escola de Artes e Ofícios. Dois violões aos quais Paulinho Moska se referiu como algo a viver uma terceira vida, depois de terem sido árvores e, posteriormente, objectos de uma casa, antes de serem aquilo que são hoje. Desta história extraiu o cantor a mensagem mais importante que poderia deixar neste concerto, a de que cada instante encerra em si mesmo a oportunidade de cada um de nós poder ser uma pessoa melhor. “Viva a renovação da vida”, disse.
Foi neste ambiente de enorme intimismo e partilha que Paulinho Moska se apresentou com os seus violões, a sua voz, mas sobretudo a doçura e calor dos seus poemas e essa forma extraordinariamente positiva de encarar a vida. “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, disse, como que a apontar caminhos naqueles momentos em que a adversidade nos bate à porta. Se dúvidas restassem, “Tudo Novo”, o primeiro tema da noite, veio confirmar que o concerto seria um hino à vida: “Vamos celebrar / Nossa própria maneira de ser / Essa luz que acabou de nascer / Quando aquela de trás apagou”. “Seta e o Alvo” manteve a toada, reforçada com “Somente Nela” e o lindíssimo “Lágrimas de Diamantes”, “de dia lágrimas, à noite amantes”. O segundo bloco de canções começou ao ritmo do samba com “Que Beleza, a Beleza”, o tema que abre “Beleza e Medo”, o seu mais recente trabalho. As canções seguintes, em particular “A Dor Traz o Presente”, letra do cantor sobre um tema de Pixinguinha, reforçaram esta matriz, trazendo ao palco ecos de Heitor Villa Lobos, Martinho da Vila, Paulinho da Viola e Elton Medeiros, a par de Caetano Veloso, Chico Buarque, o “gringo” Kevin Johansen ou a jovem Martinália.
Com o concerto a caminhar para o final, Paulinho Moska trouxe-nos um tema que marca a íntima relação do cantor com artistas da América Latina, cantando “A Idade do Céu”, a sua versão para “La Edad del Cielo”, do uruguaio Jorge Drexler, que viria a ser um enorme sucesso também nas vozes de Simone e Zélia Duncan. Depois de “O Jeito É Não Ficar Só”, escutou-se “Quantas Vidas Você Tem” e, a terminar o alinhamento, “Pensando em Você”, “com minhas letras e canções / com o perfume das manhãs / com a chuva dos verões / com o desenho das maçãs / com você me sinto bem”. Um generoso “encore” trouxe a possibilidade de escutarmos mais quatro temas, o primeiro dos quais, “Espaço Liso”, “a primeira que tocou no rádio” da carreira a solo do artista. Seguiram-se “Saudade” e “Relampiano”, temas que resultaram de parcerias com dois grandes músicos, Chico César e Lenine, respectivamente. “Juízo Final”, mais um sambinha gostoso, foi o remate perfeito de uma noite inesquecível. “O sol há de brilhar mais uma vez / A luz há de chegar aos corações.”
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