CONCERTO: Roberta Sá & Daniel Jobim | Chega de Saudade
EstarreJazz 2021
Cine-Teatro de Estarreja
04 Out 2021 | seg | 21:30
Olhando para trás no tempo, terei de recuar ao dia 24 de Fevereiro de 2020 para me lembrar de um concerto com lotação esgotada ao qual tenha assistido. Na altura, Eliades Ochoa convidava a “bailar un son” e o Tivoli BBVA revivia as grandes noites de festa, o público expectante no contacto com a grande música cubana na voz de um dos seus maiores intérpretes, o calor dos aplausos, no final os comentários que começavam no foyer do teatro e se prolongavam para o exterior numa corrente de entusiasmo e admiração. Foi preciso esperar 588 dias para voltar a sentir o mesmo. Demasiado tempo, demasiadas emoções reprimidas, demasiada cultura em pausa… Em tempo de olhar para a frente, “Chega de Saudade” seria sempre, ainda que apenas por essa nota de esperança no regresso à normalidade, um marco incontornável. Mas a grande música brasileira espalhou-se pela sala e inundou-nos de ritmo e de cor, tornando ainda mais alegre o momento. Daniel Jobim no piano e na voz, Paulo Jobim na viola, Paulinho Braga na bateria, Jacques Morelembaum no violoncelo e Roberta Sá na voz foram de uma entrega e de uma verdade ímpares, oferecendo a melhor música de António Carlos Jobim e prestando-lhe um sentido tributo.
Após um medley introdutório, “Samba De Uma Nota Só” foi o definitivo arranque de uma noite inesquecível. Alegre, vibrante, “Samba do Soho” surgiu na voz de Paulo Jobim, filho de António Carlos. Se lhe acrescentarmos a voz de Daniel Jobim, filho de Paulo e neto de Tom, percebemos o quão intimista o momento se figurou, as três gerações unidas, o mesmo ADN musical a revelar-se em todos os vincos, a figura tutelar de um dos grandes fundadores da Bossa Nova sempre presente. O show prosseguiu com “Bonita” a anteceder a chegada da muito bonita Roberta Sá ao palco. Entrou-se, então, em velocidade de cruzeiro, o extraordinário som da música popular brasileira e os seus poemas de amor tão bem expressos em temas incontormáveis como “Desafinado”, “Água de Beber”, “Só Tinha de Ser Com Você”, “Você Vai Ver”, “Sabiá”, “Caminhos Cruzados” e “Modinha” - “Não seja a vida sempre assim / Como um luar desesperado / A derramar melancolia em mim / Poesia em mim / Vai, triste canção, sai do meu peito / E semeia a emoção / Que chora dentro do meu coração”.
A segunda metade do concerto subiu ainda mais o tom, reforçando a certeza da universalidade da música de António Carlos Jobim. Também as figuras de Vinicius de Moraes e João Gilberto, tal como de Chico Buarque de Hollanda, fizeram sentir-se com enorme força. Daniel Jobim foi tocante na interpretação a solo de “Luiza” e Jacques Morelembau esteve incrível numa versão instrumental de “Retrato em Branco e Preto”, os dois momentos mais intimistas da noite. Num crescendo, à medida que o final se aproximava, o público foi soltando a garganta e mostrou o quão especial é o lugar que a música de Tom Jobim ocupa nos seus corações. “Wave”, “Corcovado”, “Insensatez”, “Só Danço Samba”, “Garota de Ipanema” e “Chega de Saudade” foram cantados com emoção, como se de um fado de Amália se tratasse. Daí os gritos e as palmas, os risos e, certamente, algumas lágrimas também (na sala, o coração dos muitos brasileiros que fizeram questão de marcar presença no concerto ter-se-á apertado não poucas vezes). O muito reclamado e saudado “encore” foi preenchido com “Águas de Março”. “É pau, é pedra, é o fim do caminho”. Um momento para recordar também Elis Regina. Mas chega de saudade!
Sem comentários:
Enviar um comentário