Poesia / Música: “Como se Desenha Uma Casa”
Interpretação | Pedro Lamares e Rui David, a partir do livro de poemas de Manuel António Pina
Festival Literário de Ovar 2020
Centro de Artes de Ovar
13 Set 2020 | dom | 18:00
Interpretação | Pedro Lamares e Rui David, a partir do livro de poemas de Manuel António Pina
Festival Literário de Ovar 2020
Centro de Artes de Ovar
13 Set 2020 | dom | 18:00
“Como se Desenha Uma Casa” tem como ponto de partida o livro de poemas de Manuel António Pina e é um projecto de afinidades, de amizades, de quem se encontra há anos, em casa, nos bares, onde quer que seja, para, em conjunto, tocar, cantar, dizer poemas, conversar e, assim, vivendo, amando e sentindo, vai tornando maior e mais sólida esta casa. Uma casa que se desenha de amigos, ideias, poemas, utopias. Uma casa dentro e fora de casa. Uma casa que se deseja de encontro às cores do mundo, porque é assim que se quer habitá-la, como um lugar de silêncio, de paixão. Foi essa casa, imensamente acolhedora e feliz, que Pedro Lamares e Rui David souberam trazer para o palco do Centro de Arte de Ovar, oferecendo, entre a música e a poesia, um pouco do seu calor e do seu amor ao público que fez questão de marcar presença no derradeiro acto do Festival Literário de Ovar 2020.
“Gostava de te convidar para minha casa, / como aos amigos nos velhos tempos. / Abria uma garrafa de vinho e contava-te de / quando era pequeno / e tu contavas-me de como te corre o emprego, / o amor. / Vemo-nos todos os dias e falamo-nos tão pouco. / Estendo-te a mão e às vezes dás-me uma / moeda, mas falamos tão pouco. / Gostava de te convidar para minha casa / mas não tenho casa, vai ter de ficar para a / próxima.” O drama dos sem-abrigo, neste poema de Filipa Leal, foi como começar a casa pelo telhado, dando o mote para um final de tarde absolutamente inesquecível na casa. Uma casa que franqueia as portas aos amigos, em quem nos encontramos pela cumplicidade e solidariedade que nos une. Uma casa onde nos sentimos tão bem.
Ao longo de quase hora e meia, embalados na poesia de Filipa Leal, Vasco Gato, Ana Luísa Amaral, Herberto Hélder, Mário Cesariny, José Régio, Carlos Drummond de Andrade, Sophia de Mello Breyner ou Manuel António Pina, sentimos a angustia de não poder pagar a prestação da casa ao Banco, retivemos o choro quando quem nos é tão próximo tem de partir em busca de vida melhor, arrepiámo-nos com o manual de instruções para a criança que está para nascer, descobrimos o significado de “para a vida inteira”, contámos até cem as ideias dentro daquele que nos procura, entrevemos o retrato rotativo de Genet em Lisboa, escutámos a exortação do poeta ao seu anjo, viajámos com um homem gentil no metropolitano de Londres, protegemos uma flor que nasceu na rua, acreditámos que seria possível construir a forma justa e ficámos a saber como se desenha uma casa.
Rimo-nos e também nos comovemos. Cantámos e chorámos. Sentimos que pertencíamos ali, àquela casa, e unimo-nos num abraço fraterno que a encheu da cave ao sotão. Em acenos musicais tão vivos, tão nossos, fomos atrás dos tempos com o Fausto, solucionamos, com os Clã, um problema de expressão, vimos a Lisboa que amanhece, com o Sérgio Godinho, deixámo-nos embalar pela Suzanne com o Leonard Cohen, dançámos o bolero de um coronel sensível com o Vitorino, inquietámo-nos com o José Mário Branco, afastámos um cálice de vinho tinto de sangue com o Chico Buarque, embarcámos na utopia com o Zeca e levámos um murro no estômago com o Tom Zè.
Tudo isto bailou e baila ainda nas nossas cabeças. Como baila e dói saber que há cabazes de comida distribuídos para matar a fome a artistas, técnicos, promotores, produtores, gente da área do espectáculo, da cultura, ao mesmo tempo que ministros viram as costas à realidade e vivem para beber um drink de fim de tarde. “Sim, nós continuamos a ser um país racista; sim nós continuamos a ser um país machista; e sim, nós continuamos a ser um país com uma estrutura homofóbica. Se nós não reparamos nessa merda, é de certeza absoluta porque estamos num lugar privilegiado. Senão reparávamos.” A casa é enorme e muito bela. A casa é isto!
“Gostava de te convidar para minha casa, / como aos amigos nos velhos tempos. / Abria uma garrafa de vinho e contava-te de / quando era pequeno / e tu contavas-me de como te corre o emprego, / o amor. / Vemo-nos todos os dias e falamo-nos tão pouco. / Estendo-te a mão e às vezes dás-me uma / moeda, mas falamos tão pouco. / Gostava de te convidar para minha casa / mas não tenho casa, vai ter de ficar para a / próxima.” O drama dos sem-abrigo, neste poema de Filipa Leal, foi como começar a casa pelo telhado, dando o mote para um final de tarde absolutamente inesquecível na casa. Uma casa que franqueia as portas aos amigos, em quem nos encontramos pela cumplicidade e solidariedade que nos une. Uma casa onde nos sentimos tão bem.
Ao longo de quase hora e meia, embalados na poesia de Filipa Leal, Vasco Gato, Ana Luísa Amaral, Herberto Hélder, Mário Cesariny, José Régio, Carlos Drummond de Andrade, Sophia de Mello Breyner ou Manuel António Pina, sentimos a angustia de não poder pagar a prestação da casa ao Banco, retivemos o choro quando quem nos é tão próximo tem de partir em busca de vida melhor, arrepiámo-nos com o manual de instruções para a criança que está para nascer, descobrimos o significado de “para a vida inteira”, contámos até cem as ideias dentro daquele que nos procura, entrevemos o retrato rotativo de Genet em Lisboa, escutámos a exortação do poeta ao seu anjo, viajámos com um homem gentil no metropolitano de Londres, protegemos uma flor que nasceu na rua, acreditámos que seria possível construir a forma justa e ficámos a saber como se desenha uma casa.
Rimo-nos e também nos comovemos. Cantámos e chorámos. Sentimos que pertencíamos ali, àquela casa, e unimo-nos num abraço fraterno que a encheu da cave ao sotão. Em acenos musicais tão vivos, tão nossos, fomos atrás dos tempos com o Fausto, solucionamos, com os Clã, um problema de expressão, vimos a Lisboa que amanhece, com o Sérgio Godinho, deixámo-nos embalar pela Suzanne com o Leonard Cohen, dançámos o bolero de um coronel sensível com o Vitorino, inquietámo-nos com o José Mário Branco, afastámos um cálice de vinho tinto de sangue com o Chico Buarque, embarcámos na utopia com o Zeca e levámos um murro no estômago com o Tom Zè.
Tudo isto bailou e baila ainda nas nossas cabeças. Como baila e dói saber que há cabazes de comida distribuídos para matar a fome a artistas, técnicos, promotores, produtores, gente da área do espectáculo, da cultura, ao mesmo tempo que ministros viram as costas à realidade e vivem para beber um drink de fim de tarde. “Sim, nós continuamos a ser um país racista; sim nós continuamos a ser um país machista; e sim, nós continuamos a ser um país com uma estrutura homofóbica. Se nós não reparamos nessa merda, é de certeza absoluta porque estamos num lugar privilegiado. Senão reparávamos.” A casa é enorme e muito bela. A casa é isto!
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