CONCERTO: “4 Mãos: Os Esteiros na
Ponta da Caneta”,
de Filipe Raposo (piano) e António
Jorge Gonçalves (desenho em tempo real)
Cine-Teatro de Estarreja
04 Mai 2018 | sex | 21:30
Como um poema! Foi assim, “a 4 mãos”,
na noite de ontem, no Cine-Teatro de Estarreja. Em palco, num “concerto para piano e caneta”, o
encontro improvável entre a música e o desenho em tempo real,
protagonizado por Filipe Raposo e António Jorge Gonçalves,
traduziu-se num momento poético singular, intimista e
particularmente belo. Ao longo de 45 minutos, sob uma música ora
dolente e melodiosa, ora nervosa e vibrante, desfilaram ante o olhar
do público um conjunto de sequências desenhadas inspiradas nas
belíssimas paisagens desta região do Baixo Vouga Lagunar.
Num palco ainda escuro, começam a escutar-se notas indefinidas que se vão traduzindo por pontos e traços
no ecrã, como se de uma espécie de código se tratasse. Passados os primeiros momentos, as linguagens começam a
articular-se entre si de forma mais clara, a sequência de notas
transforma-se em melodia e os pontos e linhas ganham continuidade para formarem um desenho, inicialmente confuso - reticulado informe sobre
um fundo escuro -, logo tornado legível com o aparecimento dum barco,
um homem com uma vara que o conduz, uma das linhas transformada em
canal. De repente tudo faz sentido, um mapa imaginário da ria com os
seus esteiros oferece-se aos nossos olhos com toda a definição.
Sobre o mapa surgem homens e a geografia dos lugares desloca-se para paisagens interiores, aludindo à pesca, à apanha do sal, ao
cultivo dos campos, ao pastoreio do gado, à comunhão com um mundo a
pulsar de vida. Vida que é agora ilha, que logo é jangada a
transbordar de gente, para no momento seguinte ser cidade do novo
mundo, de arranha-céus feita. E o todo reduz-se ao átomo, que
deixa de o ser para ser íris e dente-de-leão e pétalas coloridas
que se transformam em fogo com o qual o homem se aquece. Pura poesia!...
Baseado em duas linguagens artísticas
diferentes, construído numa base de espontaneidade e improviso, “4
Mãos: Os Esteiros na Ponta da Caneta” oferece momentos de enorme
beleza, realçando a simbiose entre o homem e a natureza no seu
estado mais puro. E tudo de forma tão simples, tão natural, que nos
põe um sorriso de felicidade no rosto e um enorme aconchego na alma. Mas
este é também um espectáculo sobre a amizade entre duas pessoas
que, ao longo do tempo, têm vindo a construir uma cumplicidade que
engloba momento, estrutura, textura, evocação e emoção. Filipe
Raposo e António Jorge Gonçalves interagem de forma única,
evidenciando discursos que se encontram, intersectam, provocam,
completam. Com os sentidos à flor da pele, em suspenso, levados nas
asas do sonho, assistimos em êxtase ao desenrolar desta(s)
história(s). Que nos confortam e animam, que nos enlaçam e aquecem.
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