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domingo, 30 de junho de 2024

VIAGEM LITERÁRIA: "Zeca Afonso, Cantor e Poeta"



VIAGEM LITERÁRIA: “Zeca Afonso, Cantor e Poeta”
Criação artística | Carla Gomes e Carlos Campos
Selecção de poemas e textos | Carlos Campos
Actores | Alexandra Silva, António Morais, Carla Gomes, Carlos Campos, João Castro Gomes, Maria Manuel Almeida, Paula Gonçalves, Pedro Gama, Nelson Matias e Rui Damasceno
Interpretação (Teatro Aveirense) | Catarina Moura, Rita Redshoes, Rui Oliveira, Banda Amizade - Banda Sinfónica de Aveiro
Maestro | Carlos Marques
Produção | Grande Coisa!
Coimbra e Aveiro, vários locais
29 Jun 2024 | sab | 13h30


No âmbito das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril, a Grande Coisa! quis recordar Zeca Afonso, destacando nele o cantor, compositor e poeta. Sob a forma de uma Viagem Literária, meia centena de participantes seguiram nos passos do autor de “Grândola, Vila Morena”, num périplo com início no Largo da Sé Velha, em Coimbra e que teve como ponto alto um concerto no Teatro Aveirense. Pelo meio ficaram as visitas a locais repletos de histórias e memórias do cantor: a casa onde viveu no Largo da Sé Velha, o Ateneu de Coimbra, as Repúblicas dos Kágados e do Prá-Kys-Tão, o Largo da Portagem. Atribulada - com “paragem na fronteira entre Portugal e Espanha para controlo de pessoas e bens” e que levou ao confisco de alguns instrumentos -, a viagem para Aveiro fez-se de autocarro e teve no recuperado e lindíssimo edifício da antiga Estação dos Caminhos de Ferro uma oportuna pausa para um “lanche revolucionário”. Com Zeca na voz, desceu-se a Avenida Lourenço Peixinho até ao Teatro Aveirense, onde decorreu o concerto de homenagem ao cantor. O jantar popular, na sede da Banda Amizade, colocou um ponto final num dia de festa e de celebração da palavra.

“A cidade é um chão de palavras pisadas”. É no Largo da Sé Velha que a viagem principia. Olhamos o espaço em volta e tudo nos faz lembrar Zeca Afonso. Quantas vezes não terá pisado as pedras deste chão? Quantas vezes não terá tocado e cantado nas escadinhas da Sé? Arautos de uma poesia rica e viva, uma dezena de actores dá voz à palavra. Numa esplanada de café ou no salão do Ateneu, escutam-se poemas. Em frente à casa onde viveu “o trovador da liberdade”, as palavras de Zeca Afonso levam-nos ao encontro de Catarina Eufémia, Teresa Torga e Alípio de Freitas. Das janelas da República dos Kágados, entre o resignado e o indignado, ouve-se que “eles comem tudo, tudo, tudo… e não deixam nada!”. Do altaneiro varandim da República do Pra-Kys-Tão, solta-se uma “Arcebispíada”: “ (…) Se o Pinochet concordasse / Já em Fátima haveria / Mais de trinta mil vermelhos / A arder de noite e de dia”. No Largo da Portagem, e antes de embarcar para Aveiro, afinam-se as gargantas. À nossa frente há desenhos de crianças inspirados na poesia do Zeca. De dentro, com emoção, clama-se: “Venham mais cinco / Duma assentada que eu pago já”.

“Canta camarada canta / Canta que ninguém te afronta / Que esta minha espada corta / Dos copos até à ponta”. Depois de um delicioso lanche revolucionário, o grupo seguiu viagem descendo a Avenida Lourenço Peixinho. Empunham-se cartazes onde pode ler-se “Cidade Sem Muros nem Ameias”, “Onde não há Pão não há Sossego”, “Viva o Poder Popular”, “Imperialismo Não Passará”, “Mulher na Democracia não é Biombo de Sala” ou “O Povo é quem mais Ordena”. E canta-se. Todos cantam a “Grândola, Vila Morena” e “A Morte Saiu à Rua”, “A Formiga no Carreiro” e o “Canto Moço”, “Maio maduro Maio” e “Os Vampiros”. Em frente ao Cine-Teatro Avenida evoca-se o III Congresso da Oposição Democrática, em Abril um ano antes de Abril. Contam-se histórias do Zeca, lembra-se o testemunho de Natércia Pedroso “levantada do chão” pelo cantor na sequência da brutal carga da polícia, uma noite passada em casa de uma tia surda e a intervenção no Congresso onde terá estreado o “Venham Mais Cinco”. Antes do concerto, tempo ainda para escutar mais poesia e admirar o local onde foi plantada uma azinheira trazida de Grândola no passado mês de Abril. “Jurei ter por companheira / Grândola a tua vontade”.

 “Agora é que pinta o bago / Agora é qu'isto / vai aquecer”. O ambiente no Teatro Aveirense é de festa, apenas toldada pela presença notória de dois agentes da PIDE que, à paisana, se insinuam na plateia. Em palco, a Banda Amizade, sob a regência do maestro Carlos Marques, afina os instrumentos. À boca de cena, sobre o lado direito, o actor (são notáveis as semelhanças com Zeca Afonso) traz-nos de novo a poesia: “Feiticeira / Mãe de todos nós / Flor da espiga / Maldita para tiranos / Amorosa te louvamos / tens mais de um milhão de anos / Rapariga”. E logo Rui Oliveira e “No Lago do Breu”, Rita Redshoes e “Fui à beira do Mar”, Catarina Moura e “Mulher da Erva”. Há cartas da prisão e “um redondo vocábulo”. E de novo a música, com arranjos para orquestra absolutamente notáveis, a emprestar mais vivacidade, força e energia a canções intemporais como “O Cavaleiro e o Anjo”, “A Morte Saiu à Rua”, “Canto Moço” ou “Grândola, Vila Morena”. Há um burburinho na sala. Do balcão voam panfletos onde se lê “1º de Maio - Paz, Eleições Livres, Democracia - Todos ao Rossio às 6,30 da Tarde”. Uma mulher grita “filhos da mãe, fascistas” enquanto é levada pela PIDE. “Foram-se os bandos dos chacais / Chegou a vez dos tribunais”.

“Ergue-te ó Sol de Verão / Somos nós os teus cantores / Da matinal canção / Ouvem-se já os rumores / Ouvem-se já os clamores / Ouvem-se já os tambores”. Ânimos serenados e de novo a música com o “Coro da Primavera” primeiro, e logo com “Lá no Xepangara”, “Os Fantoches de Kissinger” e “Utopia”. “A velha história ainda mal começa / Agora está voltando ao que era dantes”. Poesia e música voltam a cruzar-se em “Tinha uma Sala Mal Iluminada”, “Altos Castelos”, “Agora” e “Década de Salomé”, tema que fechou o alinhamento do concerto. Muito interveniente e participativo, juntando a sua voz à dos cantores ao longo de todo o concerto, o público presta uma longa ovação à Banda e aos músicos e o “encore” não se faz esperar. Em dose dupla, “Venham mais Cinco” é o culminar de um momento de júbilo, a sala em peso a cantar: “A bucha é dura / Mais dura é a razão / Que a sustem / Só nesta rusga / Não há lugar / Pr’ós filhos da mãe”. Foi bonita a festa e agora "é já tempo / D’embalar a trouxa / E zarpar.” No Salão de Festas da Banda Amizade come-se caldo e verde e bifanas no pão. Festeja-se o dia. Celebra-se a partilha e a amizade. A noite ainda agora começa. “Não sei quem seja de acordo / Como vamos terminar / Vinho velho vinho novo / Viva o Poder Popular”.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

CONCERTO: Rita Redshoes



CONCERTO: Rita Redshoes
Casa da Criatividade
06 Mai 2022 | sex | 21:30


Começámos a ouvir falar de Rita Redshoes por alturas de 2007, quando “Dream On Girl” a afirmou na colectânea “Novos Talentos – FNAC 2007”. Eleita Canção do Ano pela Rádio RADAR, ela foi uma espécie de trampolim para uma série de experiências e projectos que haveriam de resultar no ano seguinte em “Golden Era”, o seu primeiro álbum, e nos seguintes “Lights & Darks” em 2010, “Life Is a Second Of Love” (2014), “com pozinhos do Brasil e dos You Can’t Win Charlie Brown”, e ainda “Her” (2016), gravado em Berlim e produzido por Victor Van Vugt, que colaborou, entre outros, com PJ Harvey, Beth Orton, Nick Cave ou Depeche Mode. Mais recentemente, no passado mês de Novembro, publicou o seu quinto álbum de originais, “Lado Bom”, espécie de balanço entre a beleza e o medo, as alegrias e os fracassos, o amar e o ser amado. Um álbum integralmente escrito em português e que mereceu da Sociedade Portuguesa de Autores uma atenção muito especial, tendo-lhe sido outorgado o Prémio José da Ponte.

Curioso e expectante, foi assim que desemboquei na Casa da Criatividade para um concerto que trazia com ele a promessa de um “lado bom”. Os dias anteriores tinha-os passado a ouvir o disco e, naturalmente, queria mais. Queria assistir a um bom concerto, tirar o máximo partido do momento, mas sobretudo perceber aquela voz, a presença da cantora e a sua música, sentir-me tocado pela intimidade de um poema que me diz “Rosa / Um sonho tão antigo / Mas foi sempre contigo / Que o vi”. Nada disto, porém, percebi ou senti. Rita Redshoes foi incapaz de se aproximar do público, de gerar com ele a necessária empatia, cantando sem garra e refugiando-se no calor sentido na sala e no recente aniversário do teclista João Gomes para preencher os intervalos entre as músicas com um punhado de banalidades. As coisas na plateia equivaleram-se, o público mostrou-se pouco mais que apático e foi com alívio que se chegou ao final do concerto.

Uma semana passou e eu continuo a escutar o disco e a descobrir-lhe novos e preciosos pedacinhos. “Quem é que não se lançou / Sem medir uma queda? / Quem é que nunca falhou? / Que atire uma pedra”. Pensamentos como este que atravessa o tema “O Amor Não É Razão”, encontramos em “Sono”, “Rosa Flor” ou nesse lindíssimo “Contigo É Pra Perder”, originalmente cantada em dueto com Camané. E volto ao concerto, às belíssimas ilustrações que foram desfilando na tela, a temas como Choose Love”, “Hey Tom”, “The Beginning Song” ou “Captain of My Soul” que remetem para álbuns anteriores que conhecemos tão bem, aos músicos que tão bem cumpriram o seu papel, com destaque para a harpista Salomé Pais Matos, e pergunto-me porque é que não gostei do concerto. Será Rita Redshoes uma “cantora de estúdio” apenas? Estaria numa noite menos inspirada? Ou o problema estará em mim, deixando-me contaminar por um ambiente menos propício à fruição e à festa? Terei de dar o benefício da dúvida a Rita Redshoes e tirar as questões a limpo num próximo concerto. De uma coisa tenho a certeza: a sua música e os seus poemas tocam-me.