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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

TEATRO MUSICAL: "Dueto Duelo"



TEATRO MUSICAL: “Dueto Duelo”,
Direcção artística e encenação | Ricardo Vaz Trindade
Criação Coletiva | Cecília Matos Manuel, Edite Queiroz, Eduardo Brito, Henda Vieira Lopes, Joana Bértholo, Luana Cunha Ferreira, Mariana Rebelo, Marta Félix, Miguel Sobral Curado, Raquel Castro, Ricardo Vaz Trindade, Rita Brütt, Rute Ribeiro, Vasco Pimentel, com base num texto original de Eduardo Brito, Joana Bértholo
Cenografia | Pedro Brígida, Ricardo Vaz Trindade
Interpretação | Mariana Rebelo, Ricardo Vaz Trindade, Rita Brütt
Piano e direcção musical | Vasco Pimentel
Bateria | Miguel Sobral Curado
Contrabaixo | Francisco Nogueira
90 Minutos | Maiores de 16 Anos
Escola de Artes e Ofícios
24 Jan 2025 | sex | 21:30


Entramos na bela sala expande da Escola de Artes e Ofícios e é como se entrássemos num restaurante daqueles chiques, com mesas redondas muito bem postas, um menu feito de nomes pomposos, pratos elaborados com uma apresentação irrepreensível, uma carta de vinhos onde não faltam borgonhas e bordéus. Circunspecto, acolhedor e intimista, o ambiente faz-se de música ao vivo. Aqui se celebram aniversários, se comemoram feitos, se lançam ideias, se planeiam crimes. Se fazem e desfazem amores, como os da Teresa e do Tiago, que neste restaurante se conheceram e cimentaram a sua relação, partilharam com a pequenina Tânia o prazer de uma mesa para três e agora, desempenhando um papel cada vez mais familiar, estão prestes a separar-se. Dizem ter saudades um do outro, apenas porque não têm estado juntos. Embora vivam na mesma casa, durmam na mesma cama e se sentem no mesmo sofá a ver a Netflix, as únicas palavras que trocam são, cada vez mais, um “olá” e um “adeus”. Já só sabem discutir, esgotaram os argumentos e não conseguem ouvir-se. Tudo o que fazem é errado, cada frase tem um gatilho pronto a disparar. Parece já nada haver para salvar e não será uma noite diferente que irá reverter a situação. Como é que tudo aconteceu? Como é que chegaram aqui?

Criação colectiva a partir de um texto original de Eduardo Brito e Joana Bértholo, “Dueto Duelo” é um espectáculo construído com enorme sensibilidade, feito de apontamentos subtis que remetem para a realidade de uma vivência a dois e tipificam um fenómeno cada vez mais usual, o fim do “felizes para sempre”. Num mundo onde o ideal de amor romântico cede ao individualismo exacerbado, aos estímulos e às possibilidades da sociedade global, desafiando o modelo tradicional de “relação-para-toda-a-vida”, é a pequena morte de um projecto sonhado a dois que se abre em frustração e revolta, arrastando com ela um conjunto de desafios práticos, emocionais e sociais, com enorme impacto nas vidas de cada um e de consequências, as mais das vezes, imprevisíveis. Do luto dos afectos ao papel dos filhos no centro do turbilhão, da reorganização das finanças e das rotinas diárias às muitas contradições e à resistência à acusação e às desculpas, da aceitação da tradicional “facada” na ética familiar judaico-cristã aos abalos com a auto-percepção, identidade e imagem, são as regras, rotinas e idiossincrasias que se desmoronam irremediavelmente, levantando na nuvem de pó espesso uma questão primordial: De que forma se redefine a relação do dueto e se escapa à sua transformação em duelo?

“Dueto Duelo” é uma peça necessária. Porque abraça um território de disputa onde é mais fácil sentir do que dizer. Porque coloca o espectador numa enorme inquietação face “aos laços românticos nos nossos dias, às profundas transformações das relações modernas e às novas dinâmicas da conjugalidade”. Porque toca as emoções de modo intenso e vívido, conflituando num processo de atracção-rejeição. Porque é fonte de inquietação e desconforto no convite a “meter a colherada” e a tomar partidos. E porque trabalha o espírito do tempo, como nele nos perdemos e reencontramos nas misteriosas veredas dos afetos. A música interpretada ao vivo por Vasco Pimentel (piano), Francisco Nogueira (contrabaixo) e Miguel Sobral Curado (bateria), revela-se preciosa no sublinhar das muitas passagens da peça - brilhante a bateria no discurso irado de Tiago, eloquente o piano no acompanhar das memórias à volta dos Beatles ou Leonard Cohen, Chopin ou os Joy Division -, acompanhando as variações de tom da peça e mostrando a música como um lugar com vida própria, ora contida ora emotiva. Nos seus papéis, Rita Brütt e Ricardo Vaz Trindade vestem as personagens de Teresa e Tiago com o melhor de si, tornando-as credíveis e empáticas, ao encontro das experiências pessoais do espectador. Os dois conseguem ser tocantes na afirmação da sua verdade, como na demonstração das suas fragilidades. Entre dilemas e provocações, uma peça belíssima que pede a nossa atenção.

[Foto: Manuel Vitoriano | Ovar/Cultura, https://www.facebook.com/ovarcultura]

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

CINEMA: Shortcutz Ovar 2020 | Sessão #41



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #41
Escola de Artes e Ofícios
90 Minutos | Maiores de 16 anos
15 Out 2020 | qui | 22:00


Circularidade. Linearidade. Infinito. Espaço, espaço, espaço. E tempo. E gente. A forma como as pessoas se relacionam com o espaço e o tempo foi, de um ponto de vista conceptual, o elemento aglutinador da 41ª sessão do Shortcutz Ovar, levada ao ecrã da Escola de Artes e Ofícios na noite de ontem e perante uma moldura humana, sólida amálgama de entusiasmo e resiliência, deveras significativa. Habitual moderador destas sessões, Tiago Alves fez questão de vincar isso mesmo, saudando aqueles que, em tempos de indefinição e incerteza, teimam em seguir de braço dado com as artes, em sair de casa e, responsavelmente, em ocupar as cadeiras das salas, dando sentido a todo um esforçado trabalho de programação e organização e alimentando o querer e os sonhos de todos quantos vivem de e para a cultura.

Nestor. É este o nome da personagem que dá título ao primeiro filme da noite, uma curta de animação já apresentada em finais do ano passado no Cinanima, onde foi galardoada com o Prémio António Gaio para Melhor Filme (competição nacional). Com realização, animação e montagem de João Gonzalez, “Nestor” é o resultado do projecto final do primeiro ano de mestrado em animação no Royal College of Art de Londres e dá-nos a conhecer o solitário habitante de um barco no meio do oceano e as suas obsessões pela arrumação e pela ordem face aos constantes abanões a que a sua casa é sujeita. Com um forte sentido metafórico entre a oscilação do mar e a instabilidade do quotidiano, o filme é ritmado por uma música também ela obsessiva, da autoria do próprio João Gonzalez, induzindo no espectador um estado de tensão emocional que o leva a confrontar-se com o seu eu. Magníficos os cartões animados, com uma forte componente esquemática e que acentuam o carácter obsessivo-compulsivo da personagem. 
 
Ellen. Assim se chama a solitária protagonista de “Ursula”, terceira curta-metragem de Eduardo Brito, filmada entre Longyearbyen, no arquipélago norueguês de Svalbard, para lá do Círculo Polar Ártico, e a praia de S. Jacinto, espécie de “finisterra” portuguesa, abraçada pelo mar e pela Ria de Aveiro. Valorizando, em partes iguais, o texto e a fotografia, Brito oferece-nos um olhar delicado e sensível sobre este planeta que habitamos, no preciso ponto onde a estrada acaba e se torna impossível ir mais além. Filmado em condições profundamente adversas, em parte sob os rigores do Inverno Ártico, este é um filme contemplativo, de uma enorme beleza, criando no espectador a ilusão de estar próximo do sonho, apanágio e razão de ser do próprio cinema. Com montagem e produção de Rodrigo Areias, “Ursula” seguiu um curioso processo criativo, as palavras a surgirem das imagens, sem guião prévio, sem balizas nem guardas, aberto e livre. Na imensidão dos espaços, fustigada pelo vento e pelo frio, Ellen é, tal como as palavras, a guardiã do tempo e da sua marcha inexorável.

Mário. É este o nome do solitário faroleiro numa recôndita ponta das Flores, no arquipélago dos Açores. Ali, no espaço concentracionário de uma ilha, tendo apenas um gato e uma vaca por companhia, o sentir da passagem do tempo parece ser mais pesado, o isolamento torna-se quase sufocante. No seu ideal de circularidade, o farol lá está para nos lembrar que a cada dia se sucede outro. E outro. E outro... Misto de documentário e ficção, “Há Alguém na Terra” é uma produção da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa e dá-nos a ver o trabalho de Francisca Magalhães, Joana Tato Borges e Maria Canela, três jovens realizadoras que não escondem o seu fascínio pela natureza e decidem partir em busca de respostas para a eterna questão: “Porque estamos aqui?”. “Engolidas” pela identidade florentina e pela profunda comunhão do homem com o lugar que habita, as autoras traçam um retrato pungente dos ciclos da vida e da solidão que se oferece num abraço que é prenúncio de fim. Só a luz ofuscante do farol teima em alumiar os passos em volta. Sempre os mesmos.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Histórias sem Regresso"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Histórias sem Regresso”,
de Eduardo Brito
Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense
22 Set 2018 > 04 Jan 2019


Uma baliza de futebol enferrujada em cima do areal, a carcaça de um moliceiro, as imagens esbatidas de várias modalidades olímpicas pintadas nos muros, um homem que parece aguardar junto a um cais deserto, um carreiro de terra batida que se dirige a lado nenhum... É assim “Histórias sem Regresso”, exposição de fotografia de Eduardo Brito que representa, para o seu autor, um ponto de paragem num caminho de Finisterras, e que hoje mesmo chegou ao fim no Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense.

Assente numa geografia precisa e que nos é particularmente familiar (S. Jacinto, a estrada da Ria ou o Cais da Ribeira são aqui facilmente identificáveis), Eduardo Brito parece ter a intenção de contar uma história. Ou, quem sabe, propor ao espectador que seja ele a compor a “sua” história, cada imagem funcionando como uma pista. Há, no autor, um olhar claramente cinematográfico que pauta o conjunto do material exposto, a máquina fotográfica como uma câmara de filmar, um enorme rigor nos enquadramentos, cada imagem como a primeira de milhares de outras a correrem à velocidade de vinte e quatro fotogramas por segundo. Reforçando esta ideia, há pessoas que invadem o campo de algumas das imagens, como se de actores se tratasse. Quem são e o que fazem ali? Que memórias convocam?

Aceitar a(s) proposta(s) do artista pode resultar numa experiência sensorial deveras interessante. O corpo desconfortável, atravessado pelo frio duma tarde chuvisquenta no Muranzel, o olhar que se estende para lá dos pontões do Cais da Pedra, o cheiro da maré vaza junto ao Areinho, o som longínquo da torre da Igreja do Torrão do Lameiro a dar as seis da tarde ou o toque duma mão que se aperta como se não houvesse amanhã, são o resultado deste diálogo entre o real e o imaginário, que a arte de Eduardo Brito tão bem promove.