CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #41
Escola de Artes e Ofícios
90 Minutos | Maiores de 16 anos
15 Out 2020 | qui | 22:00
Circularidade. Linearidade. Infinito. Espaço, espaço, espaço. E tempo. E gente. A forma como as pessoas se relacionam com o espaço e o tempo foi, de um ponto de vista conceptual, o elemento aglutinador da 41ª sessão do Shortcutz Ovar, levada ao ecrã da Escola de Artes e Ofícios na noite de ontem e perante uma moldura humana, sólida amálgama de entusiasmo e resiliência, deveras significativa. Habitual moderador destas sessões, Tiago Alves fez questão de vincar isso mesmo, saudando aqueles que, em tempos de indefinição e incerteza, teimam em seguir de braço dado com as artes, em sair de casa e, responsavelmente, em ocupar as cadeiras das salas, dando sentido a todo um esforçado trabalho de programação e organização e alimentando o querer e os sonhos de todos quantos vivem de e para a cultura.
Nestor. É este o nome da personagem que dá título ao primeiro filme da noite, uma curta de animação já apresentada em finais do ano passado no Cinanima, onde foi galardoada com o Prémio António Gaio para Melhor Filme (competição nacional). Com realização, animação e montagem de João Gonzalez, “Nestor” é o resultado do projecto final do primeiro ano de mestrado em animação no Royal College of Art de Londres e dá-nos a conhecer o solitário habitante de um barco no meio do oceano e as suas obsessões pela arrumação e pela ordem face aos constantes abanões a que a sua casa é sujeita. Com um forte sentido metafórico entre a oscilação do mar e a instabilidade do quotidiano, o filme é ritmado por uma música também ela obsessiva, da autoria do próprio João Gonzalez, induzindo no espectador um estado de tensão emocional que o leva a confrontar-se com o seu eu. Magníficos os cartões animados, com uma forte componente esquemática e que acentuam o carácter obsessivo-compulsivo da personagem.
Ellen. Assim se chama a solitária protagonista de “Ursula”, terceira curta-metragem de Eduardo Brito, filmada entre Longyearbyen, no arquipélago norueguês de Svalbard, para lá do Círculo Polar Ártico, e a praia de S. Jacinto, espécie de “finisterra” portuguesa, abraçada pelo mar e pela Ria de Aveiro. Valorizando, em partes iguais, o texto e a fotografia, Brito oferece-nos um olhar delicado e sensível sobre este planeta que habitamos, no preciso ponto onde a estrada acaba e se torna impossível ir mais além. Filmado em condições profundamente adversas, em parte sob os rigores do Inverno Ártico, este é um filme contemplativo, de uma enorme beleza, criando no espectador a ilusão de estar próximo do sonho, apanágio e razão de ser do próprio cinema. Com montagem e produção de Rodrigo Areias, “Ursula” seguiu um curioso processo criativo, as palavras a surgirem das imagens, sem guião prévio, sem balizas nem guardas, aberto e livre. Na imensidão dos espaços, fustigada pelo vento e pelo frio, Ellen é, tal como as palavras, a guardiã do tempo e da sua marcha inexorável.
Mário. É este o nome do solitário faroleiro numa recôndita ponta das Flores, no arquipélago dos Açores. Ali, no espaço concentracionário de uma ilha, tendo apenas um gato e uma vaca por companhia, o sentir da passagem do tempo parece ser mais pesado, o isolamento torna-se quase sufocante. No seu ideal de circularidade, o farol lá está para nos lembrar que a cada dia se sucede outro. E outro. E outro... Misto de documentário e ficção, “Há Alguém na Terra” é uma produção da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa e dá-nos a ver o trabalho de Francisca Magalhães, Joana Tato Borges e Maria Canela, três jovens realizadoras que não escondem o seu fascínio pela natureza e decidem partir em busca de respostas para a eterna questão: “Porque estamos aqui?”. “Engolidas” pela identidade florentina e pela profunda comunhão do homem com o lugar que habita, as autoras traçam um retrato pungente dos ciclos da vida e da solidão que se oferece num abraço que é prenúncio de fim. Só a luz ofuscante do farol teima em alumiar os passos em volta. Sempre os mesmos.
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