CONCERTO: Chano Dominguez & Hamilton de Holanda
Auditório de Espinho | Academia
16 Out 2020 | sex | 21:30
Ponham-se, desde já, os pratos limpos em cima da mesa: Chano Dominguez e Hamilton de Holanda ofereceram na noite da passada sexta feira, no Auditório de Espinho, um dos mais intensos e emotivos concertos a que tive a oportunidade de assistir no que levamos deste ano tão atípico. E digo isto por duas razões, a primeira das quais tem a ver com o virtuosismo dos dois executantes – curiosamente, o concerto teve lugar no próprio dia em que Chano Dominguez foi distinguido pelo Ministério da Cultura e Desportos de Espanha com o Prémio Nacional de Músicas Actuais 2020, reconhecendo “o seu estilo muito pessoal” e “o seu largo trajecto de quatro décadas dedicadas à música como compositor, intérprete e arranjador”, o que faz dele “um dos maiores representantes do jazz-flamenco” da actualidade. E, depois, pela perfeita simbiose entre ambos, pela alegria da partilha da sua música com o público, pelo seu talento e energia, pelo amor às artes e à vida feito sons e temas, coração e emoção.
O concerto arrancou com um ritmado “Chumbulum”, para logo se ver interrompido devido a um problema com o som de palco. Enquanto se esperava pelo “fio de beque”, como diria o Rui Veloso (ou seria o Carlos Tê?), viveram-se cinco preciosos minutos com Hamilton de Holanda a trazer ao palco um doce e delicado Carlos Paredes, a recordar-nos o quanto o bandolim deve a sua progenitura à guitarra portuguesa. Ligações restabelecidas, o som de novo ligado, prosseguiu o concerto com Mr. C. I., um tema composto por Chano Dominguez para o “gipsy king” do flamenco, Camarón de la Isla, e ainda dois dos vinte e quatro caprichos que Hamilton de Holanda reuniu num disco raro, a beleza a vir ao encontro do público através da melodia, o bandolim de 10 cordas a apontar caminhos para o repertório clássico da música brasileira.
“Parachic” e “A Mi Padre”, duas composições de Chano Dominguez, foram mais dois momentos de grande intensidade num concerto que contemplaria ainda, no seu alinhamento primordial, “Em Nome da Esperança”, um dos temas que Hamilton de Holanda vem compondo diariamente desde o passado dia 1 de Janeiro, e ainda “Zyryab”, Paco de Lucia no seu melhor graças ao piano de Chano Dominguez e ao bandolinista brasileiro. O encore traria essa enorme surpresa de escutarmos Hamilton de Holanda “chorar” o imortal “Carinhoso”, um tema centenário de Pixinguinha que os mais novos reconhecerão nas vozes de Marisa Monte ou Paulinho da Viola. O fado subiu ao palco num derradeiro momento, fechando um ciclo musical que cingiu, com calor e brandura, as duas margens do lago Atlântico, da Ibéria à vasta América do Sul. Homenageando Amália, “Canção do Mar” foi um momento único de beleza e emoção, a provar o quanto a música nos une e estreita.
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