Carlos Alberto Moniz é, indiscutivelmente, uma das figuras mais singulares e versáteis da música portuguesa do pós-25 de Abril. Nascido em Angra do Heroísmo, assumiu desde muito novo um papel destacado num período em que a música era, acima de tudo, veículo de consciência política e social. A sua participação activa no movimento da música de intervenção traduziu-se numa obra profundamente comprometida com os valores da liberdade, da justiça e da solidariedade, servindo de contraponto às narrativas da ditadura e como força mobilizadora no processo de transição democrática. Colaborou com Fausto Bordalo Dias, José Mário Branco, Sérgio Godinho ou José Afonso, e envolveu-se em projectos colectivos como o Grupo de Acção Cultural – Vozes na Luta. Apesar da clara matriz ideológica, a sua música não se limitou ao panfleto; nela, a dimensão estética e a qualidade melódica foram uma preocupação constante, conferindo-lhe um carácter poético, imune ao desgaste do tempo e das conjunturas políticas.
Não foi no papel de cantor da revolução que Carlos Alberto Moniz se apresentou em Ovar, na noite inaugural da décima primeira edição do Festival Literário. Dedicado a alguns dos autores que Moniz musicou ao longo da sua carreira, o concerto abraçou o desígnio do activismo literário, cruzando a música e a poesia e potenciando uma nova forma de fruição da palavra escrita. Superiormente acompanhado pelo pianista Gabriel Pinto, pelo contrabaixista Hugo Carvalhais e pelo baterista João Martins, Moniz abriu o concerto com “Coração Ilhéu”, um poema de Fernando Gomes dos Santos que abraça com carinho os Açores - “Nasci no meio do mar, / O meu berço foi a espuma. / Aprendi cedo a escutar / O ritmo das marés, o som da bruma.” Temas como “Angra 50 Anos Depois”, “Se Vieres à Ilha Como Dizes”, “Recados da Ilha” e “Avé Sardinha” serviram para homenagear o poeta Álamo Oliveira, com quem Carlos Alberto Moniz manteve uma colaboração de cinquenta anos de canções e que nos deixou há muito pouco tempo.
Mas a voz do cantor não nos trouxe apenas a poesia de Álamo Oliveira, arrastando consigo uma plêiade de poetas talentosos, de Avelino Gualdino Rodrigues a Manuel Alberto Valente, de António Melo e Souso a Liliana Lima, fazendo das suas palavras canção e tornando-as memória colectiva e emoção partilhada. A riqueza da lírica insular teve nas “Populares Açoreanas” um momento destacado, com a interpretação da “Charamba” e do “Bravo”, da “Lira” e do “Samacaio”, a saltarem do palco e a estenderem-se à plateia. Num serão feito de poesia, os últimos temas - “E um Dia fez-se Abril” e “Quero Agradecer” - lembraram tempos de liberdade e projectaram futuros que se esperam de paz e harmonia, temas universais que, a juntar à qualidade artística do cantautor, elevaram o concerto a um patamar de excelência. Simultaneamente voz da terra que o viu nascer e ponte entre as margens da cultura nacional, Carlos Alberto Moniz mostrou em Ovar a riqueza do nosso cancioneiro e a pertinência de o escutarmos e acarinharmos.
[Foto: Manuel Vitoriano | https://www.facebook.com/ovarcultura]
Sem comentários:
Enviar um comentário