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sábado, 27 de setembro de 2025

CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #98



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #98
Com | Alexandra Ramires, André Gil Mata, Frederico Lobo, Laura Gonçalves, Silvana Torricella
Apresentação | Tiago Alves
150 Minutos | Maiores de 14 Anos
Escola de Artes e Ofícios
25 Set 2025 | qui | 21:30


Na entrada para a recta final da 9.ª temporada do Shortcutz Ovar, a Escola de Artes e Ofícios abriu as portas ao público para a apresentação de um novo ciclo de três curtas-metragens. Com sala cheia, a sessão decorreu sob o signo do documentário, expressando de forma clara a inquietação dos realizadores face à deriva social, económica e política crescente, que paira sobre todos como uma nuvem ameaçadora prestes a pôr em causa as conquistas de Abril. Fazem-no através de um cinema rico e vivo, fundado na memória, disposto a derrubar os muros que se erguem entre as pessoas, a exaltar a ancestralidade das relações do homem com a natureza ou a defender o direito ao lugar a que se pertence em vez da turistificação que vai empurrando para bem longe os mais vulneráveis e desprotegidos. Na qualidade de apresentador e moderador, Tiago Alves voltou a estar em foco ao chamar para o debate questões candentes como as políticas migratórias, a exploração de recursos ou a globalização e a gentrificação. Os convidados não se furtaram ao repto e fizeram valer as suas visões, enquanto o público fez também questão de intervir e animar o debate, daqui resultando mais uma extraordinária noite de cinema em versão curta.

O eclodir da Guerra Civil Espanhola, um dos conflitos mais sangrentos e ideologicamente polarizados do século XX, levou à debandada de milhares de defensores do ideal republicano. Face à ameaça da prisão ou da morte, foram muitas as pessoas que procuraram refúgio em Portugal, entre as quais se conta Eudosia Diz Lorenzo, uma jovem mulher que, juntamente com a família, encontrou abrigo na pequena e fechada comunidade de Castro Laboreiro. Embora a sua história não acabe aqui, na vertente nordeste da Serra da Peneda, é sobre este particular momento que “A Mestra” se debruça. Realizado por Silvana Torricella no âmbito da residência cinematográfica “Plano Frontal” do Festival Internacional de Documentário de Melgaço, o filme encontra na empatia e na solidariedade entre as gentes de um e outro lado da fronteira a sua âncora, partindo ao encontro de refugiados e migrantes do presente, para nos falar de princípios e valores que se sobrepõem à cegueira das leis e aos ditames da ordem. Subtilmente, Silvana Torricella carrega na tecla da esperança, oferecendo-nos um filme muito belo e pleno de significado. 

“Quando a Terra Foge”, de Frederico Lobo, leva-nos ao encontro das zonas montanhosas do norte do país, fonte de cobiça das empresas de exploração de lítio. O filme começa com duas sequências impactantes e que acabarão por marcá-lo de forma indelével. Na primeira delas, vemos um pastor no meio do nada a partir em pedaços a raiz de uma torga que irá usar no lume. Na outra, uma máquina perfura o subsolo, recolhendo amostras que possam atestar a validade de uma exploração mineira em larga escala. Entre passado e presente, este é um filme “ao correr do tempo”, que pousa um olhar sem pressas numa natureza intocada e se debruça sobre o delicado equilíbrio que o homem, desde tempos imemoriais, com ela soube estabelecer. Aqui, a vaca que se tresmalhou e está prestes a parir ou a urgência em pô-la em segurança são as únicas preocupações. Assim mesmo, de forma simples, como simples é o modo de vida das gentes da montanha, que vêem o céu olhá-las do alto e sentem que a terra está prestes a fugir-lhes debaixo dos pés. Deste tempo aparentemente suspenso, como que parado antes da chegada da tempestade que tudo destruirá à sua passagem, nos fala “Quando a Terra Foge”, testemunho vivo do que pode o progresso às mãos do homem, da sua violência sobre o meio, da imposição das suas leis sobre o indivíduo e o seu espaço.

A fechar a sessão, Alexandra Ramires e Laura Gonçalves deram a ver “Percebes”, esses crustáceos tão especiais que vivem nas rochas expostas a águas agitadas e que são de grande importância na preservação da biodiversidade marinha. Da sua enorme resistência às investidas do mar e de um ciclo de vida que termina à mesa, iguarias gastronómicas que são, retiram as realizadoras matéria suficiente para falarem do Algarve e dos seus habitantes, pressionados por um turismo que lhes rouba espaço e tempo, lhes inflaciona os custos de bens e serviços essenciais, os reduz a mão de obra barata num contexto de sazonalidade. Num registo de imagem animada de enorme beleza, com recurso à aguarela, Alexandra Ramires e Laura Gonçalves regressam aos temas fortes com grande acutilância, chamando a atenção para um Algarve que já ninguém reconhece, galinha dos ovos de ouro moribunda, castelo de cartas que se desmorona a cada dia que passa, deixando atrás de si um amontoado de destroços do qual todos quererão fugir. Em raiva e desconforto, os escorraçados regressarão para o reerguer, e eis que a história se repete. “Percebes” foi eleito o melhor filme da sessão e é, desde já, um dos mais fortes candidatos ao Prémio do Público desta temporada do Shortcutz Ovar.

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