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sábado, 14 de junho de 2025

CONCERTO: Dino d'Santiago



CONCERTO: Dino d’Santiago
Casa da Criatividade
12 Jun 2025 | qui | 21:30


“Venho de longe… Mas não sou estrangeiro.
Fui para o estrangeiro… Mas não sou estrangeiro.”
Dino d'Santiago

Dino d'Santiago é hoje uma das figuras centrais da música portuguesa. O seu trabalho veste-se de originalidade e contemporaneidade, sem nunca esquecer as origens cabo-verdianas e os sons da tradição. A sua forte presença em palco impele-nos a segui-lo com o olhar, a apreciar um bailar harmonioso que parece crescer a cada instante, um punho cerrado que fala de igualdade e de justiça, o sorriso luminoso de quem oferece com vivo prazer o melhor que tem dentro de si. Na sua voz quente e poderosa, as palavras surgem com a subtileza de um sussurro, o ímpeto de um grito, a força de um hino. Palavras que trazem em si a herança de Cesária, Bana ou Os Tubarões, que a sabem fundir com a energia e o ritmo de Paulo Flores, Julinho Ksd ou Calema. Palavras feitas de histórias e de memórias, fincadas num presente que nos diz que nada está garantido, que olham o futuro e nos incutem a “vender o medo para comprar coragem”. Neste embalo, manso e louco ao mesmo tempo, vemos como vão sendo quebradas todas as barreiras musicais e sociais, unindo a criança e o idoso, o rico e o pobre, o preto e o branco, num todo em cuja diversidade reside a maior riqueza.

Que bom que foi poder escutá-lo assim na noite da passada quinta feira, em São João da Madeira, num espectáculo especialmente criado para comemorar os doze anos da Casa da Criatividade. Ao longo de quase duas dezenas de temas, Dino d’Santiago e a sua banda definiram o pendor da festa, oferecendo a um público esfuziante de entusiasmo momentos de verdadeira igualdade, celebração e partilha. De uma energia sem limites, o artista começou por cantar “Nos tradison” e vincar a importância de olhar para trás, para os valores e para a tradição, se queremos seguir em frente. “En bua di mi / Um voo longi longi longi longi longi / Kanto kin txiga en ka atxa ramu pa descansa nha pena mamã!” foram palavras do refrão de “Voei de mim”, a pedir braços que acolham no fim da jornada e não muros que se ergam e vozes que insultem. Crioulo e português de mãos dadas, o concerto prosseguiu com “Esquinas”, punho fechado que estoira forte na mesa, denúncia do racismo estrutural que mina a nossa sociedade e lembra que “nem todo o tuga é luso / Nem todas as quinas são vanglória / Aceno ao corpo negro com quem cruzo / nossos corpos são também pátria”.

Das ilhas de Santiago, Fogo, Maio e Brava à cidade de Lisboa, a música e as palavras deram-se as mãos num balanço cheio desse novo funk que é o funaná, perguntando-se “de onde veio toda essa gente, eu não sei / Dizem que tamos na moda, ma n ka krê sabê / Ali sta tudu dretu, ma não tou nessa / De vender a sodadi ou a morabeza”. Em palco, a guitarra de Djodje Almeida, o baixo de Pety Gau, a bateria de Emílio Lobo e as vozes e o balanço de Alícia Rosa e Elísio Pereira, tornavam ainda mais distinta e única a música de Dino D’Santiago. Com o concerto a caminhar para o final, “Distinu” clamou por liberdade e “Mundo Nôbu” aspirou a um mundo melhor. Ao exemplo de coragem e determinação de Beyoncé e Jay-Z foi o artista buscar inspiração para um dos seus temas mais conhecidos, “Como Seria” e “Kriolu” foi esse abraço entre todos, tão forte quanto necessário, “branco ku pretu um gerason di oru”. Já no “encore”, envergando um bonito chapéu, numa oferta do Museu da Chapelaria, Dino d’Santiago cantou “Oji é oji”, dedicando este tema a todos os trabalhadores anónimos que, em todos os lugares, contribuem para um mundo mais justo e melhor. “Djonsinho Cabral” foi um definitivo carregar de baterias, a afirmação da igualdade na diferença, o grito derradeiro contra as injustiças e a barbárie. Gaza não ficou esquecida!

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