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terça-feira, 2 de julho de 2024

CONCERTO: Mahler Redux | Uri Caine & FIMEnsemble



CONCERTO: Mahler Redux | Uri Caine & FIMEnsemble
Com | Uri Caine (piano e composição), Pedro Meireles (violino), José Soares (saxofone), Ricardo Formoso (trompete), José Carlos Barbosa (contrabaixo), Mário Costa (bateria)
50º FIME – Festival Internacional de Música de Espinho
Auditório de Espinho – Academia
28 Jun 2024 | sex | 22:00


Uri Caine é, reconhecidamente, um dos mais inovadores pianistas do jazz dos Estados Unidos da América. Uma personalidade que faz do cruzamento de géneros e domínios musicais “a sua praia” e que trouxe ao FIME uma proposta verdadeiramente singular. Rodeado de um conjunto de músicos de primeira água - desde logo o conceituado violinista portuense Pedro Meireles, entre um “cacho” de grandes nomes da área do jazz, casos de José Soares (saxofone), Ricardo Formoso (trompete), José Carlos Barbosa (contrabaixo) e Mário Costa (bateria) -, Uri Caine partiu para uma releitura original das obras de Gustav Mahler, abordando uma parte do seu variado repertório, das sinfonias às canções. Um concerto “arriscado”, não pela sua vertente jazzística, que se adivinhava de grande qualidade, mas por ser passível de não agradar aos puristas da música clássica e, em particular, aos indefectíveis de Mahler. A estrondosa ovação final, porém, pareceu dissipar quaisquer dúvidas, levando-me a crer que todos sairam satisfeitos da sala. Bem, talvez nem todos.

Não sou um conhecedor de Mahler. À boleia de um álbum de Karajan com a Filarmónica de Berlim, intitulado “Adagio”, é-me familiar o “adagietto” da 5ª sinfonia que abre o disco. Da 6ª sinfonia, a “Trágica”, retenho um recente concerto na Gulbenkian e a percussão com um inusitado instrumento, um maço, no andamento final. E penso que será tudo. A julgar pelas palmas a destempo que se foram sucedendo ao longo do concerto, acredito que haveria mais gente na sala para quem Mahler fosse pouco mais que um ilustre desconhecido. Talvez por isso, sinto que Uri Caine cometeu um erro crasso ao tentar fazer um concerto “non stop”, com as várias peças tocadas em sequência e a surgirem, aqui e ali, muito iguais, uma quase repetição umas das outras. Eu, ouvinte, perdi-me no programa que tinha entre mãos. Ainda captei as notas do já referido “adagietto”, mas vi-me a desistir do concerto devido à minha incapacidade de o poder apreciar na sua plenitude. Não teria custado nada umas palavrinhas ou, pelo menos, a projecção dos títulos das obras no início das mesmas. Assim, agarrei-me àquilo que foi possível: ao jazz em primeira (e única) instância.

Há uma marca evidente ao longo do concerto e essa tem a ver com o espaço para a improvisação e a transgressão de limites (aquele início que parece de afinação de instrumentos é disso um bom exemplo). Mahler, com a sua linguagem tardo-romântica baseada na criação de um colorido orquestral especial e que tanto marcou os modelos do Modernismo vienense, foi um transgressor. Percebo que Uri Caine, mais de um século depois, carregue também em si a marca da transgressão. Mas parece-me pouco provável que a provocação pós-moderna do pianista tenha tocado aqueles para quem a grandeza de Mahler reside na sua capacidade de construir estruturas sinfónicas a partir de material subterrâneo. Aceitando os méritos da peça, diria que o ensemble teve um comportamento exemplar. Há solos extraordinários e há Uri Caine, com uma enorme energia e a sua peculiar forma de percutir as teclas do piano. Há momentos de jazz cheios de swing que quase nos fazem levantar do assento, há outros que se mostram deslocados. Um concerto falhado? Cada um o dirá.


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