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sábado, 24 de fevereiro de 2024

TERTÚLIAS LITERÁRIAS: “Conversas às 5” | Valdemar Cruz



TERTÚLIAS LITERÁRIAS: “Conversas às 5”,
com Valdemar Cruz
Participação especial | Álvaro Domingues
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Centro de Reabilitação do Norte
22 Fev 2024 | qui | 17:00


Com a emoção de sempre e um renovado vigor, as “Conversas às 5” regressaram ao Centro de Reabilitação do Norte após quatro meses de interregno. Aberta a todos, a 13ª. sessão das tertúlias literárias contou com a participação de uma dezena de doentes internados na Instituição, a quem foram dirigidas as primeiras palavras de saudação e agradecimento pela sua presença e interesse. Palavras que se estenderam ao restante auditório e, em particular, ao convidado da sessão, Valdemar Cruz, jornalista que nas últimas três décadas fez parte da redação do semanário Expresso e que acaba de lançar o livro “Paisagens Construídas – O Passado e o Presente da Arquitetura Portuguesa em 16+1 Obras”. E foi, muito justamente, em torno da arquitectura que a conversa fluiu, enriquecida pela participação especial de Álvaro Domingues, geógrafo e Professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e pela espontaneidade e dinâmica de um público “interessado e interessante”.

“Não sou arquitecto nem tenho nenhuma formação em arquitectura. O que eu sou é jornalista e aquilo que eu faço, e sempre fiz, é contar histórias”. Abrindo a conversa com esta ressalva, Valdemar Cruz pôs em evidência, ao longo de noventa minutos, a sua faceta do “jornalista-contador-de-histórias”, o olhar atento e um apurado sentido crítico a “condimentarem” as histórias que se propôs partilhar com o público. “Andar pela rua e reparar nas coisas, e nomeadamente reparar nos prédios, porque nos contam muitas histórias”, terá servido de ponto de partida para “elencar um conjunto de obras que são realmente importantes no contexto da Arquitectura portuguesa” e avançar com o projecto para este seu livro. Para tal, implicou no processo mais de cinquenta pessoas directa ou indirectamente ligados ao fascinante mundo da arquitectura, pedindo-lhes que indicassem as cinco obras “que mais as comoveram, que mais as influenciaram”. Daqui resultaram 133 nomeações, das quais extraiu aquelas que recolheram o maior número de “votos”, chegando assim a este corpo de dezasseis obras “representativas do que de melhor se fez na arquitetura portuguesa desde o início do século XX até a atualidade”.

Debruçando-se sobre o livro, Valdemar Cruz começou por confessar que o produto final “é bastante melhor do que aquilo que tinha imaginado”. Falar de obras tão belas exigia “um livro bem construído em todos os seus aspectos” e a solução foi avançar para uma edição de autor, acrescentando à parte literária da obra uma forte componente visual através das mais de cem fotografias a cores de Inês d’Orey, o todo cuidadosamente harmonizado graças ao design gráfico com assinatura do André Cruz Studio. Folheando este seu “bebé”, como lhe chamou o moderador, Valdemar Cruz trouxe ao de cima as histórias por detrás de algumas das obras. Pegando numa “deixa” de Álvaro Domingues sobre arquitectura e poder, falou dos convidados na inauguração do edifício da Fundação Calouste Gulbenkian e a estagnação que representam face a uma obra que prenuncia o 25 de Abril e é “sinónimo de futuro”. Também da intenção dos arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas em romper com o cânone e criar “uma arquitectura revolucionária num país em ditadura” com a construção da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa. Ou ainda o extraordinário trabalho de arquitectura de Archer de Carvalho, Nunes de Almeida e Rogério Ramos em torno da Barragem e Complexo de Picote, em Miranda do Douro.

Convidado especial desta sessão, Álvaro Domingues também começou por fazer a ressalva de que não é arquitecto, o que lhe permite estar “mais atento à linguagem dos arquitectos sobre a arquitectura”. Com o brilhantismo que lhe é reconhecido, falou da importância de “ler arquitectura” e quais as ferramentas que nos podem ajudar a “avaliar as muitas questões que a arquitectura trata”. Foi o tempo de trazer para a discussão um dos textos seminais da cultura da Antiguidade Clássica, o tratado “De architectura” de Vitrúvio, escrito no Século I a.C. . Explorando os conceitos vitruvianos – “firmitas”, “utilitas” e “venustas” –, Domingues desafiou os ouvintes a terem presente as ideias de firmeza, funcionalidade e beleza no momento de olharem uma obra (qualquer obra) de arquitectura e perceberem qual destas “ferramentas” valorizam acima das restantes. Da “caixa de sapatos” da Casa da Música à função de um espigueiro, da íntima relação entre estética e anestesia aos candeeiros da casa de Álvaro Siza, das arquitecturas “que pesam ou que voam” ao Tanque da Afurada, o público foi convidado a participar numa verdadeira aula de arquitectura, onde avultaram a clareza da exposição e o valor dos ensinamentos.

“As palavras são como as cerejas”, fez notar Valdemar Cruz, quando confrontado com o avançar da hora. A parte final da conversa ficou marcada por uma apresentação muito breve de três outros livros seus, um deles com ponto de partida em trinta e quatro depoimentos de personalidades da cultura portuguesa e intitulado “O Que a Vida me Ensinou” e os outros dois baseados em investigações jornalísticas, “Histórias Secretas do Atentado a Salazar” e “A Filha Rebelde”, este último em co-autoria com o jornalista João Pedro Castanheira. Para o final ficou também a descodificação do “+1” que surge no livro “Paisagens Construídas” e que Valdemar Cruz explica como sendo a possibilidade oferecida ao leitor de ter, também ele, o poder de escolher as suas obras de arquitectura favoritas e de acrescentar “mais uma” às dezasseis obras detalhadas no livro. As últimas palavras foram de Álvaro Domingues, considerando ser este “um livro obrigatório”, graças à sua linguagem simultaneamente acessível e rigorosa, contrastando com a “linguagem encriptada” dos livros feitos por arquitectos para arquitectos. É também um livro “que cria um genuíno interesse pela arquitectura, pelas diferentes formas de a ver, pelos seus autores. Aguça imenso o apetite e contribui em muito para a cultura arquitectónica”, concluiu.

2 comentários:

  1. Perfeito! Venham mais tertúlias (os candeeiros da casa do arq. Siza foram referidos por uma senhora do público); as arquitecturas que voam são uma expressão do filósofo Eugeni d'Ors (1922) acerca do barroco... En la expansión centrífuga está el embrión del Barroco. En la introversión centrípeta el alma de lo Clásico. El primero dará lugar a las “formas que vuelan”. El segundo a las “formas que pesan”. Este criterio se aplica a la clasificación de las artes: la pintura ocupa una región central; más acá están la escultura y la arquitectura, artes del espacio; más allá la música y la poesía, artes del tiempo. Las primeras son formas que “pesan”, las segundas son formas que “vuelan”... Excêntrico e heterodoxo, Eugeni d'Ors é um personagem contraditório, culto, franquista, visionário... mas as "fomas que voam" constituem uma expressão notável. Obrigado, Margarido, por estes encontros ao fim da tarde com o mar à vista!

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