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domingo, 25 de fevereiro de 2024

DANÇA: "Bantu"



DANÇA: “Bantu”
Direcção artística | Victor Hugo Pontes
Cenografia | F. Ribeiro
Música | Throes + The Shine
Figurinos | Cristina Cunha, Victor Hugo Pontes
Construção de máscaras | Cristina Cunha
Interpretação | Dinis Abudo Quilavei, Dinis Duarte, João Costa, José Jalane, Maria Emília Ferreira, Marta Cardoso, Osvaldo Passirivo
Produção | Nome Próprio
Centro de Artes de Ovar
23 Fev 2024 | sex | 21:30


Quando as luzes caem sobre nós, somos apenas sete corpos cativos da sorte. Os nossos movimentos são lentos, o olhar é vazio. O ruído do mar ecoa nos nossos ouvidos, querendo abafar o choro das nossas crianças e o tumulto da guerra em que mergulhámos há muito. Olhamos uns para os outros com o espanto dos sobreviventes. Somos migrantes em terra de ninguém. Esboçamos o gesto, mas os músculos tardam em reagir. Do toque nasce a palavra e da palavra a força de estarmos unidos. Isso sabemos. É tempo de nos sentirmos vivos, de celebrarmos as nossas origens, a nossa cultura e tradições. De celebrarmos a paz e a liberdade. Mas como falar de paz e liberdade quando os muros que se erguem à nossa volta são cada vez mais altos, cada vez mais feios. Queremos resistir, queremos dizer não, mas ninguém vê os nossos punhos cerrados, ninguém escuta os nossos gritos, ninguém ergue os nossos corpos tombados. Somos a estátua e somos a máscara, falamos línguas estranhas e partilhamos a mesma garrafa. Somos a aranha, o bicho-papão. Não somos nada... E tudo recomeça.

Depois do muito recente “Corpo Clandestino”, Victor Hugo Pontes e a Nome Próprio regressam ao palco do Centro de Artes de Ovar com mais um espectáculo de enorme significado e alcance. Com origem num convite endereçado ao coreógrafo, encenador e director artístico pelos Estúdios Victor Córdon e pelo Camões – Centro Cultural Português em Maputo, “Bantu” estabelece pontes entre Portugal e Moçambique, ao mesmo tempo que promove a circulação e internacionalização da dança. Acerca do projecto, podemos ler que “Bantu é um caminho por traçar, e o percurso é feito entre dois países com afinidades complexas e memórias profundas um do outro”. Para criadores e intérpretes, “este é também um lugar que desejamos ocupar, um lugar diferente para cada um dos corpos que o habita, partilhado nas feridas que rasga, titubeante no trilho que percorre; um lugar exuberante na celebração da comunidade reunida em palco.”

“Bantu designa uma família de línguas faladas na África subsariana: é identidade e é comunidade. Mas é mais do que uma ocorrência linguística, podendo ser uma linguagem própria que sobreviveu às línguas europeias impostas, um mecanismo identitário, um signo vedado ao colonizador, uma forma de comunicação, plena de códigos culturais, históricos, religiosos e políticos, a materialização efémera de um longo encontro. A palavra Bantu acolhe tudo o que queremos ou imaginamos que o espetáculo Bantu seja. O que Bantu será, contudo, depende dos olhos de quem vê.” Por muitas leituras que possamos fazer deste espectáculo, estou certo que esbarraremos sempre no desenraizamento, na dispersão e na deriva como marcas identitárias de um mundo pouco interessado na solidariedade, na igualdade e na integração. É por isso que Bantu é tão importante, pelo que congrega e aproxima, pelo que descodifica e torna legível, pelo que amplia e partilha. Falta apenas dizer que as interpretações são maravilhosas - inesquecíveis as sequências de “tableux vivants” - e que o primor dos cenários e do trabalho de luz e de som elevam este espectáculo a um nível de grandeza superior.

[Foto: Ovar/Cultura | https://www.facebook.com/ovarcultura]

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