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quarta-feira, 22 de novembro de 2023

CONCERTO: Francisco Sassetti | Wim Mertens com Ward Hoornaert



CONCERTO: Francisco Sassetti | Wim Mertens com Ward Hoornaert
Misty Fest 2023
Auditório de Espinho
19 Nov 2023 | dom | 21:30


Figura emblemática da mais avançada música contemporânea, Wim Mertens é um artista com uma obra de referência que se espalha por quatro décadas de intensa criatividade, um compositor que possui uma tão vasta quanto rica discografia, recheada de prémios, aplausos e distinções várias. Mertens começou a criar música em 1980, depois de trabalhar como musicólogo e produtor de rádio. “For Amusement Only”, o seu primeiro lançamento, é uma gravação de música eletrónica que utilizava exclusivamente o som das máquinas de pinball. Nestes quarenta anos de carreira, Mertens desenvolveu uma linguagem musical variada, escrevendo para diferentes conjuntos instrumentais, composições vocais e até peças sinfónicas. Hoje, o seu catálogo de gravações conta com mais de setenta álbuns, o último dos quais, “Voice Of The Living”, nascido de uma encomenda da Chancelaria do primeiro-ministro belga como parte das comemorações da Primeira Grande Guerra, esteve em foco na passagem do artista pelo Auditório de Espinho, na noite do passado domingo.

Que dizer de “Voice of the Living” e da prestação de Mertens? Sobretudo que, pessoalmente, passei ao lado desta “guerra”, contada do ponto de vista do homem que se vê confrontado com a experiência abissal de um quotidiano de violência e destruição, cara a cara com o inaudito, o absurdo, o impensável. Nas premissas desta sua visão sobre um cenário bélico, não encontrei o fogo e a água, a terra e o ar, elementos que deveriam trazer consigo as trincheiras, a lama, os rebentamentos, o gás mortífero a espalhar-se sobre os campos. Guiadas pela voz, as diferentes partes da composição levam-nos por caminhos imprevistos, interrupções inesperadas, distorções, rupturas, embora nada disto seja novo em Mertens. Vi, apenas e só, o mesmo Mertens que vi há uns anos atrás na Casa da Música e que será o mesmo que poderia ter visto há umas décadas atrás, um Mertens que, ou muito me engano, ou já muito pouco de novidade tem para oferecer. A presença do trompetista Ward Hoornaert não chegou a ser uma mais-valia, as mais das vezes sobrepondo a sua “voz” à de Mertens, anulando mais do que acrescentando.

Valha-nos S. Francisco, apetece dizer. Não o de Assis, mas, também de origem italiana, [S.] Francisco Sassetti, que fez as honras da primeira parte do serão, abrindo as portas da sua casa e oferecendo-nos momentos de tranquilidade e conforto. Irmão de Bernardo Sassetti, Francisco começou a compor compulsivamente em 2012, quase como se quisesse continuar a obra dele, tão tragicamente deixada a meio. São temas dessa altura, combinados com alguns mais recentes, que corporizam o seu primeiro trabalho a solo, abrindo as portas para um lado mais íntimo e secreto da sua personalidade. Foram pouco mais de trinta minutos, mas intensos e imensamente belos, envoltos em pequeninas histórias que o pianista fez questão de contar. Histórias de descoberta e deslumbramento, da magia do regresso a casa, de céus estrelados e meninas com balões, cavaleiros andantes e sorrisos contagiantes. Também alguns dramas e a falta que sentimos de alguém que já não está. O álbum intitula-se “Home” e é uma pequenina pérola. 

[Foto: Auditório de Espinho - Academia | https://www.facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]

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