TERTÚLIAS LITERÁRIAS: “Conversas às 5”,
com André Domingues
Participação especial | Pedro Guilherme-Moreira
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Centro de Reabilitação do Norte
25 Out 2023 | qua | 17:00
Era uma vez… Todas as histórias deveriam começar assim, ao encontro das mais gratas memórias de infância, quando os nossos pais nos embalavam com a sua voz doce e nos ofereciam imaginários de sonho e encantamento que se impunham até sermos vencidos pelo sono. Mas, dizia eu: Era uma vez… um menino que, pressentindo a nobreza da sua missão, se abeirava da cama do avô e lia para ele. O menino cresceu e cresceu também o seu gosto pela leitura. Também pela escrita. Da escrita, como da leitura, ergueram-se duas paixões. Onde tantos hesitam, ousou e deu um primeiro passo do qual resultou um pequeno-grande livro, ao qual chamou “Dramas de Companhia”. Foi o início de uma bela jornada que, quero acreditar, só agora está no seu início. Do seu mais recente livro - pequeno-enorme livro -, diria que é portentoso e promete dar que falar. Chama-se “Porto ou a Insurreição do Olhar” e o seu autor, André Domingues, foi o convidado da 12ª sessão das “Conversas às 5”, evento literário que, de forma regular, toma conta do espaço do Centro de Reabilitação do Norte, para um tempo (sempre curto) de beleza e fascínio à volta dos livros.
Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Literatura e Cultura Comparadas, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, locutor, tradutor e copywriter, André Domingues foi um extraordinário interlocutor, sempre generoso na partilha de ideias e experiências. Falou dos seus tempos de infância, recordando que “escrevia sempre para as pessoas mais velhas”. Depois, jovem adulto, de como fugiu do jornalismo (“uma espécie de negação da literatura”), da mesma forma que se aproximou dele e, por via disso, da própria língua portuguesa. Enfim, da publicação tardia, já depois dos quarenta anos, do seu primeiro livro, ao qual se seguiram três outras obras num relativamente curto espaço de tempo. Falou da sua admiração pela “flash fiction” e pelos seus cultores, “espanhóis e americanos”, ao mesmo tempo que criava o blogue “Do Amor Mau”, onde reunia as suas primeiras experiências no género. Foram dois anos intensos e ricos de (micro) aventuras literárias, das quais saíram mais de centena e meia de textos e, quatro anos mais tarde, “Dramas de Companhia”, editado pela Companhia das Ilhas.
“Literatura para Vampiros”, breve crónica deste livro inaugural, chegou aos ouvidos dos presentes na voz bem colocada e plena de sentir de André Domingues, naquele que constituiu o primeiro momento de leitura da tarde. O “levar os lábios à página e começar a ler” abriu aplausos na plateia e abriu, igualmente, espaço à apresentação de um segundo convidado desta sessão, Pedro Guilherme-Moreira, um “quase veterano” das “Conversas às 5”. Conterrâneo, vizinho e par de André Domingues nesta “doença dos livros”, Guilherme-Moreira falou do começo de uma relação que tem na defesa da Literatura o seu vínculo mais forte e no “gosto de arranjar discípulos” um propósito comum. Há também “Porto ou a Insurreição do Olhar” a ligar ambos os escritores, ou não fosse Pedro Guilherme-Moreira o autor do prefácio deste livro. Mas isso ficará para o parágrafo já a seguir. Antes, “Rapina”, livro “crepuscular” surgido em plena pandemia, livro de poemas que são como que “excedentes” ou “réplicas” do seu livro anterior, “Tempestade das Mãos”. Livro ao qual André Domingues foi buscar “Las Armas de Ayer” e cujas palavras, entre “sigilos imperfeitos”, “superfícies inertes”, “épocas cruéis” e “lugares de onde não se recebe um benefício claro do paraíso”, tocou fundo em todos os presentes.
Tocou-se, enfim, nesse “Porto ou a Insurreição do Olhar”, começando por um prefácio que encerra, nas palavras de Pedro Guilherme-Moreira, “uma história incrível, exemplar, do pior.” Não acreditando na forma como se apresentam os livros e, tão pouco, em prefácios, foi “quase com um não” que respondeu ao convite para fazer uma coisa ou outra em relação a este “Porto (…)”. Só que… “Começo a ler o livro (…) e sabia o que estava a ler. E sabia, dado que leio muito, que não havia nada assim neste país. O que o André fez aqui é muito parecido com o que o Ruskin fez em Veneza, com a vantagem de ser menos pomposo e mais literário.” Depois de se ter “desconvidado”, Guilherme-Moreira liga ao amigo e diz-lhe: “Reconvido-me e, por este livro, estou disposto a tudo.” Mas o que tem o livro, afinal, de tão singular, de tão genial, para ser assim visto com tanta admiração? As impressões do moderador podem ser vistas no blogue [AQUI], enquanto a visão de Pedro Guilherme-Moreira está num sentido prefácio onde se lê, a linhas tantas: “A escrever o André tem uma mão subtil, elegante, original, visceral. E como eu gosto dos (poucos) viscerais entre nós. Por isso tenho urgência em dizer ao leitor, como Proust de Ruskin, olha!, olha!, vai por aqui que é maravilhoso.”
Na toada de “Porto ou a Insurreição do Olhar”, percebe-se que a conversa caminha para o final. Fala-se das frases que salvam livros e leitores, de intimidade que “pode ser fulgurante entre leitores verdadeiros”, do Porto como “uma das raras cidades desmedidas”, da “multidão incansável no seu afã de redefinir o vazio”. Ao correr das ideias, abre-se espaço à leitura das crónicas e, enquanto Pedro Guilherme-Moreira conta o “Verão dos Poetas”, André Domingues deixa-nos uma pequena provocação com “Agramonte”, nele “um gato que dorme sob a guarda de um anjo, ou talvez seja um poeta disfarçado, nunca se sabe”. Também uma pergunta: “O que é que eu faço às cinco horas da tarde, num esplêndido dia de Verão, no cemitério de Agramonte?” Lá fora, a chuva e o vento outonais não param de fustigar as vidraças. São quase seis e meia e põe-se um ponto final em mais umas “Conversas às 5”. Nos olhos de todos, nas palavras, nas palmas, a gratidão por tanta dádiva e tanta partilha. Do talento e das mãos delicadas da fisioterapeuta Isabel Caldeirinha nasceram duas peças de cerâmica que são oferecidas ao convidado desta sessão. Prolonga-se o momento num café, numa troca de impressões, numa improvisada sessão de autógrafos. Partimos e, como Eugénio, refugiamo-nos na tarde, nas palavras, “sem outro fito que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros a insurreição do olhar.”
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