CINE-CONCERTO: “Maria do Mar”
Realização | Leitão de Barros (1930)
Argumento | Leitão de Barros, António Lopes Ribeiro
Fotografia | Salazar Dinis, Manuel Luís Vieira
Montagem | Leitão de Barros
Interpretação | Rosa Maria, Oliveira Martins, Adelina Abranches, Alves da Cunha, Perpetua dos Santos, Horta e Costa, Maria Leo, António Duarte, Celestino Pedroso, Mário Duarte, Rafael Alves, Galiana Murraças
Música | Bernardo Sassetti
Orquestra Filarmonia das Beiras
Maestro | Vasco Pearce de Azevedo
Piano | Pedro Burmester
Voz | Filipa Pais
105 Minutos | Maiores de 12 anos
Centro de Arte de Ovar
24 Jun 2023 | sab | 21:30
No dia em que se cumpriram 53 anos sobre a data de nascimento de Bernardo Sassetti, a Cinemateca Portuguesa trouxe ao Centro de Arte de Ovar o filme “Maria do Mar”, de Leitão de Barros. Escrita originalmente por Bernardo Sassetti em 2000 e revista em 2010, a obra foi considerada pelo artista como a mais querida de todas quantas produziu ao longo de uma carreira extraordinariamente rica e produtiva, interrompida brutalmente aos 41 anos na sequência da queda de uma falésia. Em palco, por detrás da tela, a partitura de “Maria do Mar” foi interpretada pela Orquestra Filarmonia das Beiras, sob a direcção do maestro Vasco Pearce de Azevedo, e teve no pianista Pedro Burmester e na cantora Filipa Pais dois convidados de excelência. Com cerca de meia casa, o Centro de Artes foi o fulcro de uma noite mágica, a intensidade e beleza das imagens na tela sublinhadas por um fraseado musical particularmente inspirado, a extraordinária simbiose entre a música e o filme a resultar num processo de valorização mútua da qual sai a ganhar, sobretudo, o espectador.
Obra fundadora na história do cinema português e um marco do património cinematográfico europeu, “Maria do Mar” é vista por historiadores e investigadores como a segunda etnoficção mundial (depois de “Moana”, de Robert Flaherty) e uma das primeiras docuficções da História do Cinema. Neste filme são consensuais as influências do expressionismo alemão e da escola russa, expressas na audácia formal, nos grandes planos, na utilização criteriosa da luz e das sombras, numa estética que não desdenha a distorção das imagens, no sentido do ritmo ao nível da montagem. Rodado na Praia da Nazaré (os interiores filmados nalgumas dependências do Teatro S. Luís, onde Leitão de Barros tinha o seu escritório), o filme é um notável trabalho de integração da paisagem marítima e da vida dos pescadores da Nazaré numa ficção construída à volta do ódio entre duas famílias por causa da morte de um pescador, provocada acidentalmente por outro. Acabará por ser na sequência da união amorosa dos filhos que virá a acontecer a reconciliação.
Seria sempre imperdível a possibilidade de ver aquele que é, para muitos, a obra-prima do cinema mudo português, com cópias nos arquivos das Cinematecas de Londres, Nova Iorque, Moscovo e Tóquio. É um privilégio poder saborear uma história feita de imagens tão belas, de sentimentos tão intensos, de emoções tão fortes, numa cópia brilhantemente restaurada, naquele que seria o primeiro projeto de restauro do laboratório do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento. Mas há ainda o lado musical, a partitura de Bernardo Sassetti, expoente de inventividade da escrita do genial criador, sempre atenta aos cambiantes emocionais da realização de Leitão de Barros. No ouvido do espectador fica a música e, no olhar, as imagens do fragor das ondas a embater nas rochas, a multidão que desce a correr as dunas para acudir à tragédia, a “ousadia” de seis raparigas “que vão a banhos” num pequeno barco a remos, as estreitas veredas da Nazaré com as mulheres de preto sentadas à soleira, a faina do mar, as festividades, a ida às sortes, as preces a Nossa Senhora dos Aflitos. Fica o encantamento de uma obra que é eterna.
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