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quarta-feira, 10 de maio de 2023

CONCERTO: "Palabras Urgentes"



CONCERTO: “Palabras Urgentes”,
de Susana Baca
Auditório de Espinho
06 Mai 2023 | sab | 21:30


O cabelo curto, a tez morena e um olhar doce e vivo num corpo esguio, encobrem os 78 anos que tem Susana Baca. Descalça, elegante, vestido comprido até aos pés, rodeada de um combo de seis músicos, foi assim que a cantora peruana se apresentou ao público que esgotou o Auditório de Espinho numa noite que veio a revelar-se memorável. Aquilo que pudemos escutar, porém, ultrapassou claramente uma mera sequência de temas. Com uma mensagem política enérgica e firme, o concerto congregou as mais antigas canções dos afro-peruanos que aportaram à costa norte do Peru, canções que “Doña Juana Orujo cantava quando ainda era escrava”, com versos tão fortes e sentidos como “las caras lindas de mi raza prieta”. Sem meios termos, Susana Baca falou do racismo estrutural no Perú - ela que descobriu o sabor da discriminação, menina ainda, numa colher de leite condensado -, ergueu bem alto os nomes dessas extraordinárias mulheres que foram Micaela Bastidas e Juana Azurduy, gritou “el Español no pasará”, juntou Trump, Marine Le Pen e Putin no mesmo saco da infâmia e da mentira e mostrou bem o porquê da urgência das suas palavras.

“Golpe E’ Tierra” e “Molino Molero” abriram o concerto de uma forma expressiva e viva, a música andina e os ritmos africanos de mãos dadas em torno dos cantos de escravos no trabalho da terra. “Por tu ventana dormida”, sobre um poema de Juan Gonzalo Rose, e “La Herida Oscura”, com letra e musica desse ícone da canção peruana que foi Chabuca Granda, elevaram a parada e “Juana Azurduy” foi como que uma apoteose, o hino guerreiro a tocar a reunir: “Tierra en armas / Que se hace mujer / Amazona de la libertad / Quiero formar en tu escuadrón / El clarín de tu voz atacar”. De seguida, a cantora deu-nos a escutar “Cambalache”, uma canção escrita em 1921 mas cujas palavras são de uma enorme actualidade ao dizerem-nos que “tudo é igual, nada é melhor / o mesmo um burro que um grande professor”. Os electrizantes “Toro Mata” e “Negra Presuntuosa” seguiram nessa linha de homenagem à cultura e ao folclore do Perú, antecedendo “Cariño”, um tema vivido com enorme intensidade e emoção, o público a retribuir com um longo aplauso que pôs um tremor na voz e um brilho nos olhos de Susana Baca.

Compositora, professora, investigadora e historiadora, ex-Ministra da Cultura do Perú, vencedora de três Grammy Latinos (2002, 2011 e 2020), Susana Baca voltou a eleger dois grandes nomes da poesia do seu país, Luis Guillermo Hernández Camarero e Blanca Varela, dando-nos a escutar, respectivamente, “Damerung” e “Strip-tease”, esta última a dizer-nos: “Quítate la piel, las tripas, los ojos y ponte un alma, si la encuentras”. A música de Milton Nascimento trouxe ao concerto um toque de tropicalismo com “Portal Del Color” e a festa prosseguiu com “Canturerias” e “Sorongo”. “Caras Lindas” colocou um ponto final no alinhamento e o tema foi inteligentemente aproveitado pela cantora para apresentar os seus extraordinários músicos: Oscar Huaranga no contrabaixo e direção musical, Miguel Diáz na percussão, Renzo Vignati na guitarra elétrica, Jonathan Mendoza na guitarra acústica e Jorge Campos e Alex Mejía nos coros. Num muito reclamado e saudado “encore” foi ainda possível escutar “Afroblues” e “Canta Susana”, fechando uma viagem através dos séculos, a ligar continentes, por intermédio da voz e da música dessa grande activista e cultora da negritude, defensora intransigente dos direitos das minorias, que é Susana Baca.


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