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terça-feira, 11 de abril de 2023

TERTÚLIA LITERÁRIA: "Conversas às 5" | João Luís Barreto Guimarães



TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com João Luís Barreto Guimarães
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Auditório Dr. Correia de Campos | Centro de Reabilitação do Norte
04 Abr 2023 | ter | 17:00


“Sei muito bem o que digo. Ele fazia poemas. Os outros passavam ao largo (fugindo a qualquer pergunta) ele nem sequer escondia o que ali estava a fazer. Ali à frente de todos (…)”. Foi com as palavras do poeta João Luís Barreto Guimarães, ditas por Isabel Marcolino, que se deu início à décima sessão das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”. A iniciativa é do Centro de Reabilitação do Norte, teimando em afirmar a sua vocação universalista na qual a cultura é entendida como instrumento de conhecimento e partilha, de inclusão e reabilitação. Foi um regresso do poeta a uma casa que conhece bem e onde, há sensivelmente dois anos, deu o pontapé de saída nestas conversas que tantos e tão bons momentos têm proporcionado a todos quantos delas têm sabido tirar o devido partido. Mas voltemos ao poema, às palavras que se soltam da voz pausada e grave de Isabel Marcolino, e imaginemos o poeta, sozinho, sentado à mesa do Bar do Hospital, a aproveitar a pausa de almoço para ler, escrever e pensar. Pensar o seu dia, pensar a poesia. Ao nosso olhar, o habitual caderno e a caneta. Enquanto escreve olha e olha-se. No que escreve adivinhamos o banal que se espalha em conversas de bar e que não tardará em fazer-se verso.

O processo de escrita e a sua explicação surgem à boleia do poema. Escrever um livro é um exercício desgastante e que exige muito tempo. “Não há ‘palha’ nos meus poemas”, diz. Neles, “tudo tem que contar, ser valioso, ter um nível de originalidade e criatividade sem excepção.” Daí que os poemas comecem por ser maiores e vão sendo depurados, sujeitos a um processo de síntese. O poeta explica: “Ao abolir o elemento de ligação entre dois versos, transformo essa ligação num salto elíptico e obrigo o leitor, com a sua inteligência, com a sua crítica, com a sua ironia, a fazer a ponte, a fazer essa ligação. Podemos estar a falar da coisa mais quotidiana que existe, mas transformamos aquela linguagem numa linguagem poética. E isto resulta muito engraçado porque o leitor adere a esse processo, sente-se participante da própria construção do poema ao ser chamado a introduzir os tijolos onde aquele salto lógico falta. Ao tirar a explicação, o poeta aumenta o mistério, o enigma, a charada. E posso estar a falar de um copo ou de um livro. Não preciso estar a falar da glória, da morte, do amor, da derrota e da vitória.

Assunto incontornável, a atribuição do Prémio Pessoa em 2022 levou João Luís Barreto Guimarães a recordar o telefonema do Dr. Francisco Pinto Balsemão, às sete da tarde de uma quarta feira, Marrocos ía jogar daí a nada, mostrando-lhe as razões que levaram o júri a atribuir-lhe o prémio: “João Luís Barreto Guimarães escreve sobre nós, portugueses, e escreve sobre tudo o que vê e o que observa, o que sente e o que pensa, e escreve sobre o outro com uma atenção permanente. Criou assim uma metafísica da realidade, transparente na aparente leveza, exata na concreta execução. Esta obra é testemunho de um tempo, o de agora, e de um tempo antigo, clássico, universal, reconhecível pela inteligência e a emoção”. Um prémio que o poeta não esperava, “porque não é um prémio a que se concorra”. Um prémio que veio numa excelente altura do ponto de vista editorial, já que as segundas provas de “Aberto Todos os Dias” tinham acabado de ser entregues. O livro acabou por ser dado à estampa mais cedo do que o previsto, vai já na segunda edição e acaba de ser incluído na “Poesia Reunida” que os participantes nesta Tertúlia puderam adquirir em primeiríssima mão. Reverso da medalha, “as solicitações, as entrevistas, com as quais eu nunca me entusiasmei, das quais rapidamente me saturei” e que lhe roubam tempo e paz.

“Como as cerejas”, a conversa estende-se por novos e fascinantes caminhos. João Luís Barreto Guimarães sente-se particularmente à vontade, mostra-se eloquente naquilo que diz. O discurso encadeia-se com naturalidade quando fala da sua obra, do espartilho que a si mesmo impôs sob a forma do soneto e do qual apenas se libertou ao quarto livro. É nessa altura que passa a funcionar com as imagens e o som, de maneira a que o poema se transforme numa escultura verbal”, diz. A conversa abre-se à plateia e as perguntas não tardam. Entre o médico e o poeta, o poeta e o professor, são muitas e muito curiosas as impressões partilhadas. Após a leitura de mais um poema – “gostaria de partilhar comigo o resto da sua vida? Para responder sim, marque 1. Para responder não, marque 2 …” – fala-se agora de pandemia. O assunto, abordado de forma fugaz no livro anterior, “Movimento”, está ausente de “Aberto Todos os Dias”. O poeta vê a pandemia como algo adequado ao cinema ou ao teatro, mas não é um assunto bom para a poesia: “Este livro acaba por ser o anti-pandemia, invertendo o ponto de vista e dando a ver um mundo que está aberto todos os dias para que o possamos desfrutar”.

O lado político da poesia ou o poema como arma política ocupa a recta final da Tertúlia. “Eu não concebo a poesia contemporânea que não seja uma poesia política. Um verso que fala de um ministro que mentiu, de um ministro que não se demitiu por ter mentido ou dos enfermeiros exaustos que saem de mais um turno, transforma o poema num poema político e o poeta assume automaticamente uma posição ética, de afirmação na sociedade de uma tomada de posição. Com uma desvantagem para os políticos, porque estes poemas não são notícias de jornal, vão existir para sempre.” Contextualizando: “Aquilo que o poeta decide que o poema tem é tão importante como aquilo que o poeta decide que o poema não tem. Quando falo dos enfermeiros que saem exaustos de mais um turno, eu estou a falar é dos ordenados dos enfermeiros, dos horários, da colocação dos enfermeiros. E eu sei que o Manuel Pizarro [Ministro da Saúde] vai ler estes poemas”. João Luís Barreto Guimarães despede-se com a ideia de que “a poesia é feita de silêncios” e é em silêncio que escutamos o último poema, uma vez mais declamado por Isabel Marcolino. “Há uma mão-cheia de coisas à espera de acontecer.”

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