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domingo, 23 de abril de 2023

CONCERTO: Maria Mendes & Orquestra Filarmonia das Beiras



CONCERTO: Maria Mendes & Orquestra Filarmonia das Beiras
Direcção | António Vassalo Lourenço
Ovar em Jazz 2023
Centro de Arte de Ovar
22 Abr 2023 | sab | 21:30


Em ambiente de grande festa e celebração da música, chegou ao fim a quinta edição do Ovar em Jazz. Uma edição que, à semelhança das anteriores, fica marcada pelo ecletismo das suas propostas, pela variedade de abordagens ao jazz e pela qualidade intrínseca dos momentos vividos entre o palco do Centro de Arte de Ovar, o bar do CAO e a Escola de Artes e Ofícios. Na mente fica, em jeito de balanço, uma forte aposta na fusão de géneros e expressões artísticas como elemento comum aos vários concertos, o jazz como pólo aglutinador de interesses e vontades, a sua enorme plasticidade como campo fértil ao experimentalismo e à inovação. A aposta em nomes como Carmen Souza, Marc Ribot, Maria Mendes, Nuno Trocado & Jorge Louraço Figueira, João Mortágua, Maria João e projecto Fuzzo revelou-se acertada e o público soube corresponder ao esforço da organização, preenchendo os espaços de forma bastante consistente e mostrando-se incansável no momento de aplaudir. O nome do Ovar em Jazz sai reforçado desta edição, as expectativas para 2024 mais elevadas que nunca.

Aclamada pela prestigiada Downbeat como “uma cantora de jazz da mais alta ordem”, única artista portuguesa no feminino a receber uma nomeação para um Grammy americano até à data, Maria Mendes subiu ao palco do Centro de Arte para apresentar “Saudade, Colour of Love”, o seu mais recente trabalho. A acompanhá-la teve os seus músicos habituais - Cédric Hanriot no piano, Jasper Somsen no contrabaixo e Mário Costa na bateria - e ainda a Orquestra Filarmonia das Beiras, dirigida pelo maestro António Vassalo Lourenço. Extraindo do Fado uma quota maior de singularidade e riqueza, bebendo-lhe no mais fundo da alma, a cantora propôs uma abordagem jazzística e sinfónica do género que resultou surpreendente. Uma surpresa que só não foi maior porque “Close To Me”, o seu álbum anterior, já explorava este universo de fusão e dera ensejo a um momento inesquecível na Casa da Criatividade, em S. João da Madeira, em Novembro de 2021. Todavia, a solidez dos arranjos para orquestra, que partilha com o pianista, produtor e orquestrador americano John Beasley, empresta aos temas um inesperado tom de frescura e liberdade, “encorpando-os” com interlúdios sinfónicos de grande harmonia e solos virtuosos e enormemente criativos.

“Há Uma Música do Povo” foi o tema de abertura do concerto e teve o condão de pôr os pontos nos ii desde o primeiro instante. Aqui, o Fado e o Jazz encontram-se para lá das suas próprias fronteiras. Mesmo os puristas do Jazz não desdenharão das propostas, sabendo encontrar nelas méritos firmados nas qualidades vocais de Maria Mendes e na intensidade e emoção que coloca na interpretação de cada tema. Já os amantes do fado, seguramente mais conservadores, mostrar-se-ão renitentes a uma adesão incondicional. De uma coisa estou certo: Ninguém fica indiferente ao cuidado e empenho da cantora em ser veículo da “canção das emoções” e em ampliar o conhecimento dos nossos maiores poetas, de Fernando Pessoa a Luís Vaz de Camões. “Com Que Voz”, “Asas Fechadas” ou “E Se Não For Fado”, juntaram-se a uma composição da própria Maria Mendes, “Fado da Invejosa” e a uma outra de Hermeto Paschoal, “Hermeto’s Fado For Maria”, reafirmando o que atrás foi dito. Entre todas, ficam na memória a primorosa interpretação de “Barco Negro”, num diálogo exclusivo entre voz e piano e “Verdes Anos”, sobre música de Carlos Paredes, peça instrumental cantada em scat e cujo acompanhamento orquestral raiou o sublime. Até já, Ovar em Jazz.


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