CONCERTO: Marc Ribot | The Jazz Bins
Ovar em Jazz 2023
Centro de Arte de Ovar
21 Abr 2023 | sex | 21:30
A abrir a terceira noite do Ovar em Jazz 2023, Marc Ribot e os The Jazz-Bins vieram mostrar que o elo de união entre o Jazz e a Soul pode muito bem ser um órgão. Não um orgão qualquer, mas um Hammond b3, “topo de gama” dos orgãos electromecânicos. Não tocado por um músico qualquer, mas por Greg Lewis, a quem Marc Ribot se referiu como “o segredo mais bem guardado de Nova Iorque”, alguém que “consegue contar uma história com o Hammond como ninguém”. O caso não é para menos e aqueles que tiveram o privilégio de o escutar souberam, desde o primeiro momento, estar na presença de um talento incomum, de um verdadeiro “fora de série”. Enorme em tamanho, Greg Lewis provou ser igualmente um gigante de virtuosismo e capacidade de improvisação, colando à sua a alma do instrumento, fundindo-se nele e dele extraindo as mais celestiais melodias ou os detalhes mais irreverentes. Numa onda jazzística que abraçou primordialmente o blues e a soul, Greg Lewis foi perfeito na forma como se posicionou no contexto musical do trio, fazendo do seu Hammond sujeito e complemento de composições inspiradas e fortemente galvanizadoras de um público que soube ser pródigo nas manifestações de apreço e gratidão.
Dar a primazia a Greg Lewis deve ser entendido como um elogio ao próprio Marc Ribot, exímio na forma como sabe recrutar para as suas fileiras os melhores entre os melhores. Mas que dizer então do próprio Marc Ribot e da sua guitarra? À beira de completar 70 anos de vida e com mais de quarenta anos de carreira, ele prossegue o legado do seu mentor, o guitarrista clássico haitiano Frantz Casseus. Isto tem-o levado a partilhar palcos com nomes sobejamente conhecidos, de Albert Ayler a Elvis Costello, de McCoy Tyner a Norah Jones, de Laurie Anderson a Caetano Veloso. A meio de uma digressão europeia que percorre nove países, “desembarcou” em Ovar para uma apresentação única em Portugal e ofereceu-nos um concerto, também ele, único. Expressivo na forma como abraça o instrumento, senhor de uma técnica pessoalíssima capaz de abarcar múltiplos universos musicais, soma à harmonia e ritmo das composições um trabalho magistral nas cordas da sua Gibson HG-00 Sunburst 1937, sacando delas, entre a balada mais contida e a urbanidade mais ousada, um fascinante conjunto de paisagens sonoras que nos transportam da realidade ao sonho.
Deixo para o fim Joe Dyson e a sua bateria. Imerso na cultura de Nova Orleães, a cidade que o viu nascer, foi no seio de uma família profundamente religiosa que cultivou a sua arte, feita de espiritualidade e meditação. Os longos solos de bateria obrigam o espectador a repousar nele o olhar e a adivinhar a chama que se abriga por detrás duma calma e introspecção incomuns. A forma como responde às solicitações do orgão e da bateria transforma completamente os temas, emprestando-lhes uma energia que se estende à plateia e obriga os espectadores a moverem as cabeças ao ritmo da sua batida, como se de uma seara ao vento se tratasse. Sabemos, então, que é em bateristas da sua craveira que reside a responsabilidade de passar o testemunho às gerações vindouras. Desafio, enredo, provocação, de tudo isto se faz a música de Marc Ribot e The Jazz-Bins. Uma música que, com frequência, resultou numa experiência imersiva, escutada quase em apneia. Um concerto memorável, ao nível do melhor que até hoje pudemos assistir em cinco edições do Ovar em Jazz.
[Foto: Ovar/Cultura | https://www.facebook.com/ovarcultura]
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