CONCERTO: “A Cor da Liberdade”
Banda Amizade – Banda Sinfónica de Aveiro
Coral Vera Cruz, Coral Polifónico de Aveiro, Coro de Santa Joana, Orfeão da Santa Casa da Misericórdia de Ílhavo, Coro Infantil Voz Nua, Círculo Experimental de Teatro de Aveiro, Grupo Experimental de Música e Dança de Aveiro
Artistas convidados | Rui Oliveira, Dino d’Santiago
Direcção artística | Carlos Marques, João Curto
Produção | URAP - União de Resistentes Antifascistas Portugueses
Teatro Aveirense
16 Abr 2023 | dom | 18:00
“Qual a cor da liberdade? É verde, verde e vermelha.” Dominado pelas cores da liberdade, o concerto que teve lugar no Teatro Aveirense, ao final da tarde de ontem, fez-se em festa e júbilo num sentido cantar Abril. Em palco, a Banda Amizade – Banda Sinfónica de Aveiro, sob a direcção do maestro Carlos Marques, viu-se acompanhada por um vasto número de vozes – dos coros ao teatro e à dança –, o todo abrilhantado pela presença de dois ilustres representantes da “gerason di oro”, Rui Oliveira e Dino d’Santiago. À qualidade das interpretações juntou-se o valor e significado das palavras, fazendo do espectáculo uma sentida homenagem “aos trabalhadores, camponeses, intelectuais e estudantes que, das mais variadas formas, resistiram, enfrentaram e lutaram durante os 48 anos da ditadura em Portugal”. Um espectáculo que serviu igualmente para assinalar os 50 anos do 3º Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, evento determinante no derrube do fascismo e um dos momentos mais altos da luta pela liberdade no nosso País.
“E, por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram.” A força das palavras de Jorge de Sena, na sua “Carta a Meus Filhos Sobre os Fuzilamentos de Goya”, o “Cantar da Emigração” de Adriano Correia de Oliveira entoado em fundo, abriu da melhor forma o espectáculo. De seguida, foi tempo de escutar uma belíssima selecção de “Canções Heróicas”, de Fernando Lopes Graça, a preencher toda a primeira parte do programa. Oportunidade sublime para recordar a poesia de Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado, José Gomes Ferreira, João José de Mello Cochofel Aires de Campos ou Arquimedes da Silva Santos, em temas emblemáticos como “Mãe Pobre” “Canto de Esperança”, “Convite”, “Combate” e “Jornada”. Num breve “intermezzo”, declamaram-se os poemas “E Havia Outono?”, de Fernando Assis Pacheco e “Nambuangongo Meu Amor”, de Manuel Alegre, antes de nova série de “heróicas”, nas quais se incluíram “Canto de Paz”, “Canção do Camponês”, “Ronda” e o sempre arrepiante “Acordai”, voltarem a empolgar-nos.
Já sem os corais da cidade em palco, teve início a segunda parte do concerto com a declamação de um excerto do poema “Cantiga de Abril”, de Jorge de Sena (que viria a ser retomado mais tarde) e “Fábula da Fábula”, de Miguel Torga. Prolongando o valor e significado do momento, Rui Oliveira, o primeiro dos dois convidados especiais, ofereceu-nos, na sua profunda e bem timbrada voz, três canções de Adriano Correia de Oliveira. “Emigração”, “E Alegre Se Fez Triste” e “As Balas” foram escutados em profundo silêncio, as palavras de Manuel Alegre, Manuel da Fonseca e do próprio Adriano a calarem bem fundo em cada um dos presentes. Dino d’Santiago respondeu a uma fortíssima ovação com três músicas de Cabo Verde que lhe são particularmente queridas. Com “Porton di nos Ilha”, do mítico grupo “Os Tubarões”, homenageou o pai e todos aqueles que se viram obrigados a deixar a sua terra em busca de uma vida melhor. Depois veio “Sodade”, incontornável tema que notabilizou Cesária Évora e que fala da ida forçada de cabo-verdianos para as roças de S. Tomé e Príncipe nos anos 50 do século passado. Finalmente, “Kriolu”, composição do próprio Dino d’Santiago, na qual “Branku ku pretu um gerason di oru” é toda uma via programática rumo a uma sociedade que se quer mais fraternal, justa e livre.
“Hoje, meio século passado sobre o derrube do fascismo, quando novas velhas ideias ressurgem na tentativa de adulterar as conquistas de Abril e o regime democrático consagrado na Constituição da República Portuguesa, importa continuar a trilhar o caminho dos que nos antecederam, com novas gerações de homens e mulheres empenhados em defender os valores de Abril, por um País mais justo, soberano, desenvolvido e igualitário.” Foi isso que todos vimos e sentimos já nos momentos finais, com os meninos e meninas do Coro Infantil Voz Nua a oferecerem a todos os presentes “Galinhas do Mato”, de José Afonso. Na ternura que se espalhou pelo sorriso de todos, percebeu-se uma particular nota de esperança num futuro melhor e mais justo. Aos aplausos somaram-se os gritos de “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”, que ecoavam ainda nas mentes de cada um à saída do Teatro Aveirense. Connosco vieram peças soltas das muitas músicas escutadas, como veio um forte sentimento de gratidão que, no meu caso, se traduziu num apertado abraço a Rui Oliveira. Connosco vieram, sobretudo, as cores do poema: “Saem tanques para a rua, / sai o povo logo atrás: / estala enfim altiva e nua, / com força que não recua, / a verdade mais veraz. / Qual a cor da liberdade? / É verde, verde e vermelha.”
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