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domingo, 16 de abril de 2023

CONCERTO: Dave Douglas & Joey Baron Duo



CONCERTO: Dave Douglas & Joey Baron Duo
Auditório de Espinho - Academia
14 Abr 2023 | sex | 21:30


Não nego que a proposta do Auditório de Espinho para a noite da passada sexta feira me levantou algumas reservas. “Escaldado” por uma ou outra experiência anterior de não boa memória, no encontro de um trompetista com um baterista preocupava-me a eventual preponderância do segundo em relação ao primeiro. Mas como ficar indiferente ao facto de estar perante “dois músicos de excelência do jazz mundial”, de um lado Dave Douglas, “prolífico trompetista, conhecido pela amplitude estilística do seu trabalho e pela sua extensa discografia” e do outro Joey Baron, “baterista que fez parte da banda de Bill Frisell durante uma década e colaborou com nomes como Dizzy Gillespie, Tony Bennett, Chet Baker, Laurie Anderson, Stan Getz, David Bowie, Philip Glass ou Al Jarreau”? A juntar a estes pergaminhos, há todo um cruzamento de momentos marcantes que ambos trilharam em conjunto, desde os idos de 1990, e onde se incluem o projeto Masada, de John Zorn ou um sexteto que homenageava Dizzy Gillespie. Perante isto, as opções resumiram-se a ir ou… ir. E fui.

O concerto arrancou com um longuíssimo solilóquio de Joey Baron, baqueta na mão direita a marcar o ritmo e toda uma combinação de sons que, mais do que assumirem o papel de uma “viagem” exploratória, mostraram que a lógica do concerto assentaria no improviso. A confirmação viria com a entrada em cena de Dave Douglas, os acordes de “The Man I Love”, de Gershwin, a servirem de ponto de partida para um conjunto de exercícios de reinterpretação livre do tema, numa deriva que, com frequência, “trocou as voltas” a Joey Baron e resultou em significativos acenos de cabeça e amplos sorrisos. Esta espécie de provocação foi uma constante ao longo do concerto, proporcionando momentos com tanto de lúdico como de didático e mostrando ao público de Espinho o quanto de cumplicidade e brilhantismo se abriga na música destes dois grandes senhores, capazes de assumirem o momento de um concerto como se de um ensaio se tratasse (ou o momento de um ensaio como se fora um concerto).

De pé, Dave Douglas posiciona-se à esquerda e parece meditar. Baron mostra os sentidos sempre alerta, pronto a reagir a uma frase mais destacada ou a uma nota mais espremida. A natural tendência para vermos, no encontro entre os dois músicos, uma espécie de duelo e irmos em busca de um vencedor fica-se pelas intenções. O espírito sublimemente cooperativo que animou Douglas e Baron remetem para Almada Negreiros e o postulado de que “1+1=1”, isto é, que “o individualismo morreu, estamos na era colectivista”. A uma criteriosa escolha de padrões, por onde perpassaram Thelonious Monk e Chet Baker, acrescentaram os dois músicos um conjunto de composições próprias e doses generosas de improviso, fazendo do concerto uma conversa criativa, ao mesmo tempo fascinante e inspiradora. A intimidade e espontaneidade entre os dois e a interacção com o público fizeram com que o espaço do Auditório de Espinho fosse, (quase) como nunca, um comprometido e imersivo clube de jazz. Pouco mais de uma hora foi o tempo do concerto, mas que ficará nos nossos corações por muito mais tempo.

[Foto: Auditório de Espinho - Academia | https://www.facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]

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