CONCERTO: Vijay Iyer & Orquestra de Jazz de Espinho
48º FIME – Festival Internacional de Música de Espinho
Auditório de Espinho – Academia
07 Jul 2022 | qui | 21:30
Alinhavar um par de ideias em torno do concerto de Vijay Iyer com a Orquestra de Jazz de Espinho sem escorregar em contradições, eis a questão. O sexto de dezasseis concertos programados para a edição deste ano do FIME trouxe ao Auditório de Espinho o aclamado pianista norte-americano Vijay Iyer, reconhecido como um dos nomes maiores do género, não apenas pela sua capacidade criativa e pela qualidade das suas interpretações, mas também pela apurada consciência política e em diálogo com o mundo. Iyer veio acompanhado pela baixista malaia Linda May Han Oh e pelo baterista norte-americano Tyshawn Sorey, dois excelentes músicos da cena jazzística nova-iorquina, o último dos quais com duas décadas de amizade pessoal e cumplicidade criativa com o pianista. Ao trio viria a juntar-se a Orquestra de Jazz de Espinho, agrupamento composto por catorze elementos, na sua grande maioria dedicados aos metais. Talvez seja um erro pôr num dos pratos da balança o trio e, no outro o trio com a Orquestra, mas não há como fugir a estabelecer uma comparação entre os dois momentos. E o momento com a Orquestra sai claramente a perder.
Olhando para aquilo que a Orquestra fez, a forma como soube ler e interpretar uma peça complexa, com tanto de orgânico como de etéreo, justo é reconhecer que a nota a atribuir deverá ser alta. Inspirada no romance homónimo do escritor nigeriano-americano Teju Cole, “Open City” encontra-se dividida em dez andamentos que procuram recriar o ambiente do romance e o seu cariz autobiográfico, povoado de reflexões pessoais traduzidas por secções musicais com um forte pendor lírico, que crescem e se desenvolvem em acordes fechados e densos ou se oferecem completamente livres e abertas à improvisação. Propulsionando a música e o ritmo a partir do seu centro, Vijay Iyer, Linda May Han Oh e o enorme Tyshawn Sorey sobrevoaram os meandros da mente, ora povoados de sombras, ora vibrantes e luminosos, habitados pelo silvo agudo do falcão, pelo grasnar do ganso ou dos patos, pelo piar da pequenina carriça. Os magníficos solos de Guilherme Guedes no vibrafone ou de AP Neves na guitarra, de Ricardo Formoso no trompete ou de Teresa Costa na flauta, de Rui Bandeira no trombone ou de Gonçalo Soares, Hristo Goleminov ou Rafael Gomes nos saxofones, foram o complemento perfeito de uma viagem que não deixou ninguém indiferente.
Mas que dizer do trio? Baseando a sua prestação no álbum “Uneasy” (ECM, 2021), Vijay Iyer, Linda May Han Oh e Tyshawn Sorey foram a demonstração viva do quanto o jazz pode oferecer em engenho, inventividade, ritmo e carisma. Foi desconcertante ver Tyshawn Sorey afinar o surdo e os tons com o concerto a decorrer, para mais tarde percebermos o quanto a sua forma de tratar o instrumento e de o integrar na harmonia do conjunto tem tudo a ver com os ruídos do quotidiano, com essa busca incessante do som que é tom, do ritmo harmónico, da musicalidade que habita todas as coisas. Com Vijay Iyer vivi um momento único, aquele em que fui em busca de um segundo piano, os sons de duas melodias distintas combinadas na perfeição a espalharem-se no Auditório, como se o pianista fosse dotado de dois cérebros autónomos e distintos entre si. E que dizer de Linda May Han Oh, sujeito e complemento de um trio superlativo, o contrabaixo a verter o seu som cavo com uma pureza como poucas vezes pude escutar. É por estas e por outras que me é tão difícil avaliar o concerto no seu todo. Se teria, caso fosse possível, dispensado a Orquestra? Sim. Mas pergunto-me se escreveria o que escrevi caso o trio não tivesse tido a oportunidade de, a abrir e a fechar o concerto, se mostrar sozinho em palco.
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