TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com Pedro Guilherme-Moreira
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Auditório Dr. Correia de Campos | Centro de Reabilitação do Norte
07 Jun 2022 | ter | 17:00
Pedro Guilherme-Moreira foi o escritor convidado da oitava sessão das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”, iniciativa do Centro de Reabilitação do Norte que, desde Abril de 2021, tem procurado incrementar o gosto pela leitura e contribuir para a formação de mais e melhores leitores. Numa tarde a convidar o usufruto das delícias do sol e do mar, foram poucos aqueles que aceitaram o desafio de trocar a praia pelo Auditório do CRN, participando numa sessão da qual retiraram o gosto da partilha e do conhecimento em torno da escrita e dos livros, graças à bondade e generosidade de um dos seus grandes representantes. Autor dos romances “A Manhã do Mundo” (2011), “Livro Sem Ninguém” (2014) e “Saramaguíada” (2017), Pedro Guilherme-Moreira mostrou-se um apaixonado pela vida e seus mistérios, pela beleza do inescrutável, pela felicidade da descoberta. E aí entram os livros, causa e efeito de um espírito livre e de uma mente aberta à novidade e empenhada em explorar os seus limites.
O poema “Nunca Tive 15 Anos” deu o mote para o início de uma animada conversa. Através dele, Pedro Guilherme-Moreira revisitou o passado, não sem antes deixar uma palavra de gratidão às “Tertúlias” e à sua organização por lhe ter sido dada a possibilidade de falar daquilo que gosta, num lugar que lhe diz muito, “com este mar que conheço desde a infância, os seus ventos e nuvens, estes montes que existiam no preciso sítio onde nos sentamos agora e onde, nos meus tempos de miúdo, fiz grandes crosses de bicicleta”. Pegando então no assunto “quinze anos”, o escritor quis chamar a atenção para o facto de ter já nascido “um bocadinho crescido”: “Cheguei rapidamente aos quinze anos e depois não saí dos dezasseis”. Costuma, inclusive, dizer que “só há seis meses deixei de ser um rapazinho”, acrescentando que nem isso é verdade: “Continuo imaturo, continuo a querer que gostem de mim.” O espaço aberto pelo poema fê-lo recuar aos tempos da primeira classe, quando decidiu escrever uma redação em que transformava a professora numa formiga. E recorda: “Ela deixou-me para o fim, disse que aquilo é que era escrever e eu pensei com os meus botões que, se inventava uma coisa nova, se fazia o que me apetecia, se transformava a professora em formiga e ainda por cima era premiado, queria era fazer isto a vida toda.”
Ver neste episódio o ponto de partida para a carreira de escritor foi algo que não ficou esclarecido totalmente, mas quando Pedro Guilherme-Moreira afirma ter “45 anos de literatura”, talvez a ligação faça todo o sentido. Apesar de uma vida literária que já vai longa, a verdade é que só se tornou “visível” há onze anos, no momento em que publicou na Dom Quixote o romance “A Manhã do Mundo”. Sobre o livro, o escritor começou por realçar a relação dura que teve com ele: “Todas as vidas que estão no livro existiram, os seis grandes vectores deste livro, apesar de ficcionados, tiveram uma existência real, um dos seis, inclusivamente, era português. E aí começa a emoção.” Partindo de uma investigação que foi mais demorada no tempo do que a própria escrita do livro – “não quis alinhar em teorias da conspiração, precisei de deslindar uma série de boatos, quis perceber até que ponto as notícias eram manipuladas” -, Pedro Guilherme-Moreira faz questão de dizer que “tudo o que está relatado é inatacável, o livro tem rigor científico e, até hoje – e já lá vão onze anos –, nada do que está escrito foi posto em causa.” Realçou ainda o destaque dado ao livro pela Biblioteca Pública de Nova Iorque, que considera como “o meu grande prémio literário”.
O segundo livro de Pedro Guilherme-Moreira intitula-se “Livro Sem Ninguém” e é uma história contada não pelas pessoas, mas pelos seus objectos – “porque as coisas também dizem quem somos”. Lá, poderá o leitor encontrar “a minha escola de Francelos, os plátanos, mas na Rua do Arco Celeste não há assim tanto da minha rua.” Escrever um livro que prima pela originalidade teve a ver, em grande medida, com a ideia de combater o cliché que sustenta que “ninguém inventa nada, está tudo escrito”. E é assim que vemos o autor a “chutar toda a gente para fora do livro e a conseguir contar uma história durante um ano sem ninguém, só com a roupa estendida no varal, os carros que estacionam ou deixam a rua, as plantas que crescem no jardim ou as árvores que vão perdendo as suas folhas.” Este é um livro muito trabalhado – “eu parecia um cientista, há uma ideia e uma implementação” – ao qual, numa segunda fase, foi injectado “coração”: “O livro precisava dessa humanidade, os nossos sinais no mundo são comoventes.” Hoje o escritor admite que haverá muita gente que não consegue entrar na esquemática do livro, já que “não é bem um romance, é um exercício literário, feito de personagens latentes”. Mas tem uma convicção: “Daqui a cem anos, se alguém falar de alguma coisa, vai ser deste livro.”
Finalmente “Saramaguiada”, um livro “escrito num transe completo”, que é uma tentativa de “transformar Saramago no meu herói, no meu Dom Quixote” e que, ao mesmo tempo, constitui uma forma de Pedro Guilherme-Moreira se vingar daquilo que chama a “frivolidade do meio literário”. Carregando o livro de literatura, abusando das referências, misturando tempos e lugares, citando directa ou indirectamente as obras que mais o marcaram, o autor faz de “Saramaguíada” o seu “Ulisses”. Respondendo às questões do público e à dificuldade manifestada por uma ouvinte em “entrar” na dinâmica narrativa do livro, Pedro Guilherme-Moreira revelou toda a sua humildade ao propor uma maior aproximação entre escritor e leitor : “Quando lerem os meus livros, usem-me. Se há questões que se transformam em dilemas, dificuldades em entrar na estrutura, dúvidas que se revelam indecifráveis, escrevam-me, telefonem-me, marquem um café, deixem-me que esteja ao vosso lado”. Percebemos que isto pode ser muito importante para o leitor. Para o escritor se-lo-á, seguramente.
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