A menina dava mostras de uma grande impaciência. Sentada ao meu lado, não parava de mexer e de perguntar à mãe porque é que o concerto não começava. Passados alguns minutos, veio aquela voz que ninguém ouve, pedindo para desligarem telemóveis e proibindo a recolha de imagens e de seguida Rui Massena entrou na sala sob uma chuva de palmas. Fez uma vénia, rodopiou as mãos uma em volta da outra como se fosse um treinador de basquetebol a pedir uma substituição e sentou-se ao piano. Então a menina endireitou-se na cadeira, arregalou olhos e ouvidos e escutou o silêncio. Os primeiros acordes devem tê-la maravilhado. “Um Lugar”, o tema de abertura do concerto, é tão harmoniosamente belo que a menina não conteve um suspiro prolongado. Mas foi quando Massena tocou “The Tree” e, logo de seguida, “Resistir”, que a vi inclinar-se ligeiramente para a frente e, sentindo-se preenchida, elevar os bracitos e começar a seguir a música com os seus gestos doces e delicados.
De regresso a Ovar, depois de aqui ter estado no Verão de 2019 aquando da apresentação de “Carnaval Sujo”, curta-metragem de José Miguel Moreira de cuja banda sonora é o criador, Rui Massena ofereceu um concerto verdadeiramente inesquecível, marcado pela beleza da sua música e pelo envolvimento com o público que é uma das suas imagens de marca. Com uma formação que incluiu Ana Alves na viola e Rui Moreira no violino, o pianista, compositor e maestro seleccionou temas dos seus três trabalhos iniciais, convidando os presentes a embarcarem numa viagem feita de paz e harmonia, tão necessárias nos dias que correm. Aos três temas iniciais, todos eles extraídos do álbum "III", seguiram-se “Lazy” e “Mateus”, também do mesmo álbum, para de seguida recuarmos a 2015 e ao inaugural “Solo”, com “Para Ti” e “Família”, dois temas de enorme intimidade. Com o público completamente rendido, eis chegado o momento de apurar as vozes e entoar uma breve melodia sobre a qual Rui Massena dispôs os acordes de dois temas ainda em gestação.
Prosseguindo na senda de “Solo”, Rui Massena ofereceu-nos essa melodia luminosa que dá pelo nome de “Luzes”. Só então saltou para o seu segundo álbum, “Ensemble”, dando a ouvir “Borboleta” num registo deliciosamente clássico. Seguiram-se “Amanhecer” e “Estrada”, este último inspirado no poema “Para Além da Curva da Estrada”, de Alberto Caeiro (heterónimo de Fernando Pessoa) e que é, todo ele, uma lição de vida – “ (…) Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer”. O alinhamento chegou ao fim e os músicos despediram-se do público, mas o público queria mais. Estendendo a ovação por um largo período de tempo, a sala (esgotada, diga-se) viu reconhecido tão sentido tributo com a interpretação do tema “aBem”, do álbum “Ensemble”. À saída, eram muitos aqueles que continuavam a trautear a música, prolongando momentos de tanta felicidade. Também eu a trauteei e continuei a trautear enquanto seguia no carro em direcção a casa. A caminhar pelo passeio ao lado da mãe, reconheci a menina que se sentou ao meu lado no concerto. Pela sua expressão, estou certo que também ela trauteava a música. A acompanhá-la, os bracitos eram como duas penas ao vento, ensaiando uma carícia.
Sem comentários:
Enviar um comentário