CONCERTO: “Alceu Valença Solo”
Centro de Arte de Ovar
14 Jan 2022 | sex | 21:30
De ar breve e contornos indefinidos, a nostalgia foi, a par da alegria, um dos aspectos mais marcantes do concerto que Alceu Valença deu em Ovar na noite da passada sexta feira (e que viria a repetir no dia seguinte). Ancorado em composições icónicas que marcam quase meio século de vida musical, o cantor e compositor pernambucano fez questão de pôr em palco a sua melhor música, vincando a forte ligação que une os muitos temas da sua autoria. Improvavelmente conceptual, o concerto decorreu sob o signo da viagem entre o hoje e o amanhã, por ruas que andei, subindo ladeiras, na beira mar ou na Estação da Luz, a acompanhar os blocos do Carnaval de Olinda, entre Ovar e a Lua. Maioritariamente brasileiro, o público que esgotou a sala transformou o Centro de Arte de Ovar no Mercado do Bonsucesso de Olinda ou no Eufrásio Barbosa, incansável no apoio ao cantor e tirando partido da sequência de xotes e frevos (“quase fados”) para menear o corpo e gritar bem alto: “Eu acho é pouco… é bom demais!”.
“Alceu Valença Solo” foi um concerto marcadamente intimista. A ausência de uma banda “isolou” o cantor num palco que soube encher apenas com a força da sua voz e a doçura do seu violão. A coloquialidade foi uma constante, o artista a falar das suas origens e das ligações familiares a Portugal, das suas conquistas (de alguns fracassos, também), do momento presente e do confinamento que acabou por estar na origem deste projecto, assente em três álbuns - “Sem Pensar no Amanhã”, “Saudade” e “Senhora Estrada” - com a chancela da Deckdisc e lançados no ano passado. É neles que o concerto vai beber todos os seus momentos, convocando canções de “outros tempos” e músicas actuais, combinando cores e ritmos, pessoas e lugares e trazendo para o palco aqueles que trilharam os mesmos caminhos, de Luíz Gonzaga a Jackson do Pandeiro, de Vicente Moreira Barreto a José Ramalho Neto ou Geraldo Azevedo de Amorim.
Os primeiros minutos trouxeram com eles a colombiana Mari Segura, que muitos terão reconhecido do The Voice Portugal 2020. Com ela vieram cinco canções muito bonitas, numa voz doce e bem cuidada, mas sem grandes diferenças de tom e ritmo entre si. Com “Pau de Arara”, Alceu Valença entrou “a matar”, trazendo no matolão o triângulo, o gunguê e a zabumba, o xote, o maracatú e o baião. Penou, mas chegou. E logo fez questão de chamar Luíz Gonzaga, num “Xote das Meninas” que só querem, só pensam em namorar. “Papagaio do Futuro” mostrou como, há quatro décadas, as questões ambientais eram já uma preocupação do cantor - “vamos salvar as serras da beira do rio a Santana” - e “Estação da Luz” uniu-se a “Era Verão” nesse “pintar passageiro colorindo o mundo inteiro”. A cidade de Olinda, com a sua arquitectura colonial, as suas colinas e ladeiras, tomou conta dos momentos seguintes, seguindo-se “Marim dos Caetés”, “Flor de Tangerina”, “P da Paixão”, “Coração Bobo” e o muito saudado “Como Dois Animais”. “Taxi Lunar” e “Tropicana” fecharam o alinhamento, com “Sabiá” (na companhia de Juba Valença) e “La Belle de Jour | Girassol” a colocarem um ponto final em quase duas horas de concerto. Um luxo em dias que correm. Um concerto não menos luxuoso.
Sem comentários:
Enviar um comentário