EXPOSIÇÃO: “Os Saqueados”,
de Samuel Ornelas
Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense
12 Jun > 28 Ago 2021
“ (…) Em segundos, rompeu uma força de anos. O barulho era demasiado alto. As árvores estalavam umas nas outras como se fosse um incêndio. Rompeu. A enorme parede de cimento que comprimia, colapsou. Em instantes, milhões de metros cúbicos de lama e rejeito de minério de ferro formaram uma avalanche que engoliu tudo pelo caminho. Formou-se uma paisagem apenas de lama. Lama. Lama. Lama. Quilómetros de lama. Não mais se via uma árvore, uma casa, uma construção. Nada. Lama. Lama. Lama. Metros de altura de lama, quilómetros e quilómetros de lama. E debaixo da lama, pessoas, casas, animais, fotografias, electrodomésticos, carros, escolas, refeitórios, escritórios, autocarros. Pessoas a entrar na lama, a mergulhar e a sair com corpos nas mãos. A puxar. A tirar corpos e corpos. Pedaços de corpos. Corpos em pedaços. Pessoas. (…) ”
Sara Barros Leitão, excerto de intervenção sonora “Do Rio Que Tudo Arrasta”
Com “Os Saqueados”, pela mão de Samuel Ornelas, é nestes dois gigantescos desastres industriais da história brasileira recente que somos convidados a mergulhar. Patente ao público até ao próximo dia 28 de Agosto no Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense, a exposição é composta por duas xilogravuras a fio de grandes dimensões (“Liberdade Ainda Que Tardia I e II”), duas esculturas (“Corpo Vazio” e “Desenterro”), uma instalação (“Lágrimas de Lama”), um caderno de desenhos e uma intervenção sonora (“Do Rio Que Tudo Arrasta”, por Sara Barros Leitão). Percebido na sua essência, estamos perante um manifesto artístico que cumpre com o desígnio da própria arte, não o da produção ornamental, antes o de se constituir em forma de pensamento crítico sobre problemas sociais e ambientais muito concretos, reclamando um compromisso intelectual e político que ponha cobro à irresponsabilidade e à incúria.
Escutemos Sara Barros Leitão, a voz pausada, firme, cada palavra uma pedrada que fere e dói. Perante o nosso olhar, dois painéis ilustram o drama que a artista vai narrando. Neles, as figuras parecem erguer-se do nada. Num dos painéis, o mais próximo da entrada da sala, predominam os ocres, os laranjas, os vermelhos. Se este primeiro painel é o fogo (ou a lama), o segundo painel são as cinzas. Em ambos, destruição, desolação e morte. Pessoas como sombras que se movem em silêncio no meio do caos, que arrastam os seus mortos entre os escombros, que os carregam, inertes, por caminhos de fúria incontida. A instalação que ocupa o corredor pede-nos que a olhemos com olhos de ver. São “lágrimas de lama”, mananciais de dor e desespero derramados sobre o vazio que ocupa agora o lugar dos corações. Ouvimos Sara Barros Leitão citar Brecht: “Do rio que tudo arrasta diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.” Ouvimos e estremecemos. Lá fora o sol brilha, mas são ainda os despojos da tragédia que atraem o nosso olhar e amargam os nossos pensamentos. Que nos fazem crescer uma força nos dedos e nascer uma raiva nos dentes. Que nos impelem a agir.
Parabéns, Samuel!
ResponderEliminarO sentimento forte que envolve toda a exposição mostra toda a sensibilidade do artista expressando o oculto nas almas daqueles que ao apreciar ficam sem saber expressar, nem falar...deixando para ti falar por elas.
Indubitavelmente uma belíssima exposição.
ResponderEliminarParabéns em especial ao artista Samuel Ornelas. Sensibilidade, competência e técnica incrível nos trabalhos. Prospecta um traço individual do artista diante de uma catástrofe muito relevante.