LIVRO: “Movimento”,
de João Luís Barreto Guimarães
Edição | Francisco José Viegas
Ed. Quetzal Editores, Outubro de 2020
“(...) Mantenho uma distância segura do
que chamam realidade (disperso vendedores de rosas
como quem dispensa ilusões)
falamos do que aí vem (dias que
não têm nomes mas
vão desde já
numerados). E conto-te histórias antigas um
exemplo: quando pousava moedas nos carris do eléctrico e
esperava que o movimento esmagasse
as caravelas (...)”.
[do poema “Élements impurs”, in “Movimento” (2020)]
Décimo primeiro livro de uma série iniciada em 1989 com “Há Violinos na Tribo”, “Movimento” é uma extraordinária colecção de poemas que exaltam os nadas de que a vida é feita: uma aspirina que se dissolve num copo de água esquinado, um gato deitado sobre uma campa no cemitério, a chuva que cai nos telhados, a barba de uma semana que se escoa pelo ralo do lavatório, um velho guarda-chuva preto que não resiste ao temporal, o canto das cigarras, um bar em Veneza (não propriamente um bar mas uma dessas trattorias). E discussões absurdas. E instruções quanto ao uso de uma faca. E conselhos para quando precisarmos de engolir a fúria.
Feliz acaso, este, de me cruzar com a poesia de João Luís Barreto Guimarães. Começou por ser uma obrigação – a preparação das “Conversas às 5” que irei moderar e que me levou a ler tudo o que consegui encontrar do poeta -, mas depressa os seus livros se transformaram numa quase obsessão. A qualquer hora do dia, dou por mim a ler a sua poesia, saltando entre as páginas, repetindo poemas no maior dos silêncios ou declamando-os em voz alta, partilhando-os com as pessoas da casa. Com eles rio e comovo-me, com eles dou por mim absorto, ora cúmplice e solidário, ora aturdido, aflito. E penso que, se o dia chegar em que me atreva a escrever poemas, quero que eles sejam assim, simples e belos, a assinatura como a de um pintor flamengo, “João o Velho”.
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